Rio de Janeiro foi o estado com o maior número de produções selecionadas nas mostras competitivas do 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Ao todo foram oito obras, sendo cinco curtas-metragens. Dessas, duas são ficcionais, que competiram ao lado de exemplares de Pernambuco, Ceará, Paraná e Minas Gerais. Foi curioso perceber também que são cariocas o melhor e o pior dos seis títulos apresentados nesta categoria.

O primeiro curta de ficção da mostra competitiva foi Sylvia, de Artur Ianckievicz. Feito em Londrina, interior do Paraná, chama mais atenção pela forma escolhida pelo realizador do que pelo enredo em si. Sem usar um único diálogo, mostra o que acontece à protagonista, uma jovem que trabalha como camelô e passa suas noites treinando numa academia de boxe, quando descobre que sua melhor amiga no esporte está no outro lado da lei. Elaborado de forma engenhosa, possui uma direção competente, um roteiro que faz bom uso dos silêncios e das elipses e uma atriz – Juliana do Espirito Santo – em bastante sintonia com sua personagem.

Sylvia, de Artur Ianckievicz

O segundo exemplar foi Lição de Esqui, de Leonardo Mouramateus e Samuel Brasileiro. Vindos do Ceará, os realizadores, ao apresentarem o filme, afirmaram: “somos dois jovens que fizeram um filme sobre dois jovens”. Pois bem, essa inexperiência é revelada na tela. Apesar das boas interpretações, a história de dois amigos que resolvem causar um acidente no trabalho para que um deles seja demitido e possa, enfim, receber o seguro-desemprego e partir para uma sonhada viagem, peca pela longa duração – problema recorrente na atual produção de curtas-metragens nacionais – e pelos excessos narrativos. Ainda assim, tem bons momentos.

Lição de Esqui, de Leonardo Mouramateus e Samuel Brasileiro

O bem acabado Au Revoir foi um dos que chegou com mais expectativas. Produção pernambucana – estado que tem apresentado alguns dos melhores trabalhos do cinema nacional recente – a história sobre uma intercambista radicada em Paris que sofre com a solidão e a distância da família ao mesmo tempo em que se vê envolvida com a vizinha de porta, uma senhora idosa e doente, oferece elementos interessantes. No entanto, estes nunca são tratados com o devido respeito pela diretora Milena Times, que os descarta quase que ao mesmo tempo em que os apresenta. O final, abrupto apesar do longo desenrolar da trama, frustra a atenção despertada até aquele momento.

Au Revoir, de Milena Times

É o contrário do interessante Todos Esses Dias em que sou Estrangeiro, de Eduardo Morotó, do Rio de Janeiro. Belamente fotografado em preto e branco, tem como protagonistas dois irmãos que trabalham como garçons em um bar-restaurante. Estamos na periferia, a família há muito ficou para trás e tudo o que se pode esperar é pelo amanhã. É um filme que deixa muitas elipses e questões não resolvidas, recursos eficientes em provocar na audiência a mesma situação enfrentada pelos personagens. O bom elenco defende com garra a história, que possui uma conclusão tão surpreendente quanto intrigante.

Todos Esses Dias Em Que Sou Estrangeiro, de Eduardo Morotó

Algo que, infelizmente, não pode ser dito de Fernando que ganhou um Pássaro do Mar, de Felipe Bragança e Helvécio Marins Jr. uma produção também carioca,  feita com apoio português. A partir de um enredo que combina a atual insatisfação social do país europeu com a visão estereotipada que os estrangeiros possuem sobre nós, a obra resulta em mais um amontoado de clichês do que em material relevante que ofereça possibilidades de reflexão a respeito. As imagens são jogadas aleatoriamente, sem as necessárias conexões, e o todo termina por ser mais fraco do que suas partes individuais.

Fernando Que Ganhou um Pássaro do Mar, de Felipe Bragança e Helvécio Marins Jr.

Maior empenho teve o curta de ficção Tremor, de Ricardo Alves Jr – ou ao menos era o que prometia o diretor no seu discurso de abertura, antes da exibição do filme na tela do Cine Brasília. Ao compor imagens óbvias que tinham como objetivo transcrever literalmente a descida aos infernos de um homem em um dos piores momentos de sua vida, a história é daquelas que promete muito – seja pela ambientação, pela qualidade das atuações ou pelo clima proposto – mas entrega pouco. Foi como se o diretor não soubesse mais o que fazer com o material que tinha em mãos, encerrando-o antes mesmo de sua conclusão.

Tremor, de Ricardo Alves Jr.

O caráter político mais uma vez se faz presente como critério de escolha para os filmes escolhidos em Brasília. Todos os títulos aqui presente possuem, em maior ou menor grau, uma conexão com o presente, com esse país nosso em constante turbulência e transformações. Por outro lado, estes exercícios ficcionais deram trato também de incluir questões mais íntimas, como a morte, a busca por melhores condições de vida no exterior, a luta contra estereótipos e as dificuldades de encarar a vida adulta. Os trabalhos, como conjunto, funcionam bem e trazem consigo ótimos elementos de debate, compondo a seleção mais interessante deste ano.

Premiados 2013

Melhor Filme: Lição de Esqui, de Leonardo Mouramateus e Samuel Brasileiro
Melhor Direção: Ricardo Alves Jr., por Tremor
Melhor Ator: Miguel Arraes, por Todos Esses Dias Em Que Sou Estrangeiro
Melhor Atriz: Rita Carelli, por Au Revoir
Melhor Roteiro: Leonardo Mouramateus, por Lição de Esqui
Melhor Fotografia: Mateus Rocha, por Tremor
Melhor Direção de Arte: Thales Junqueira, por Au Revoir
Melhor Trilha Sonora: Gustavo Fioravante e O Grivo, por Fernando Que Ganhou Um Pássaro do Mar
Melhor Som: Bruno Bergamo, por Sylvia
Melhor Montagem: Frederico Benevides, por Tremor

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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