Caio Horowicz está em ascensão no cinema brasileiro. Desde a metade dos anos 2010, quando foi elogiado/premiado por sua performance em Califórnia (2015), drama ambientado nos “anos de chumbo”, seu currículo acumulou mais quatro longas. Em 2023, com Zé, o artista de 27 anos mergulha de vez nesse que foi um dos mais espinhosos episódios da História brasileira. Na trama, dirigida por Rafael Conde, Caio encarna José Carlos da Mata Machado (1946-1973), universitário brasileiro perseguido e morto pelos militares durante o regime ditatorial de 1964. Para falar mais sobre sua preparação para o filme, que é livremente baseado em fatos, conversamos com o próprio Horowicz, durante a 17ª CineBH: Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (2023). Confira abaixo.
Como esse personagem surgiu para você?
O Rafael (diretor) estava planejando esse filme há quase 20 anos. Em 2020, chegou o momento de buscar um ator parecido com o José. Na época, estava estreando a série Boca a Boca (2020), no streaming, e ao me assistir, uma amiga do Rafael me indicou pra ele. Ele mandou mensagem no Instagram e começamos as conversas. As primeiras tratativas aconteceram durante a pandemia da COVID-19, então conversamos remotamente. Ele em Belo Horizonte e eu em São Paulo. Ele foi muito simpático nesse contato e tudo sempre transcorreu da melhor forma.
Você já conhecia o Zé? E, a partir disso, como foi o processo de aproximação com o biografado?
Não conhecia a história do Zé, mas conhecia a trajetória da Ação Popular, movimento no qual ele era diretor. Por ter participado de projetos sobre o assunto e estudar muito, sempre fui familiarizado com questões da Ditadura, mas as do Zé são mais reservadas ao povo mineiro. Em São Paulo temos outras referências de luta. Então tive de fazer estudo intenso, que começou com a leitura do livro “Zé”, do Samarone Lima, que inspirou o filme. O próximo passo foi o mais importante: falar com familiares e amigos próximos. Nesse processo, fui entendendo como ele era com os mais chegados e de que forma reagia aos sentimentos. E também tive acesso a material muito importante que foram as cartas que ele escrevia para os pais durante a clandestinidade, algo que serviu como visita direta a quem foi essa figura, já que há poucas fotos dele e nenhum áudio ou vídeo. Também não posso deixar de mencionar minhas conversas com a Grauninha (apelido de Maria do Socorro), que foi companheira de luta do Zé e me forneceu características que utilizei no longa, como falar mais calmamente e ser carinhoso com todas as pessoas. Algo que ela disse, inclusive, não saiu da minha cabeça durante esse exercício: “ele era articulado e encantador“. Então, esse foi um bom guia.
E como foi a colaboração com o Rafael Conde? Ele pediu algo específico na sua interpretação?
É um diretor muito disponível e parceiro. Gosta de criar junto, não é cineasta que chega com ideias prontas. Com exceção da decupagem, essa tem assinatura muito específica. Criei muita coisa, como o sotaque. Tentei neutralizar minha fala paulistana e ele apoiou. Muitas cenas tive a oportunidade de improvisar e, aliás, cheguei a reescrever algumas. Então, por aí, você já percebe o quanto foi tranquila essa conexão. Houve colaboração muito ativa entre os atores, estimulada pelo Rafael.
A decisão entre ficar e lutar clandestinamente no Brasil ou atuar intelectualmente como exilado é um bom debate proposto no longa. Pessoalmente, como essa questão lhe tocou?
Como não pode deixar de ser, todo ser humano é contraditório. Principalmente no Brasil, onde a contradição rege o país. O Zé tinha ideias que admiro muito. Acho ele um grande militante. Mas não há como negar que, em alguma medida, havia certa ingenuidade em suas lutas. É admirável uma forma de resistir na qual não se pega em armas, mas acho que se tivesse a idade que tenho hoje, em 1973, provavelmente iria mais para o lado da guerrilha, na linha de frente. Minha opinião pessoal é mais pé na porta.
Como você vê o filme sendo recebido pelo público em geral?
Esteticamente falando, esse é um filme diferente. Ele toma tempo nas cenas. É um projeto menos convencional. Ele vai dividir opiniões, não há escapatória. Vivemos num país polarizado e a extrema-direita está viva no Brasil. Precisamos entender que a obra vai chegar nesse momento conturbado, e vai se comunicar com apenas um lado. Nesse sentido, Zé dá luz a uma figura pouco conhecida. O cinema brasileiro tem muitos filmes sobre Ditadura, mas poucas biografias sobre militantes. Acho que desenvolver essas cinebiografias é importante, pois humaniza esses corajosos e dá oportunidade para o público conhecer pessoas que lutaram pelo povo brasileiro. O público não sairá da sessão alegre ou alto-astral. Ele é tenso, mas essencial nesse momento.
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