Uma das grandes estrelas da televisão brasileira, Cássia Kis Magro é também um nome de peso na produção cinematográfica nacional. Desde sua estreia, no clássico Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos, a atriz já marcou presença em mais de duas dezenas de títulos na tela grande, trabalhos que lhe renderam quatro indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o nosso ‘Oscar’ – e uma vitória, como Melhor Atriz Coadjuvante por Chico Xavier (2010), além de troféus nos festivais de Cartagena, na Colômbia, Rio de Janeiro e Recife. O mais recente, no entanto, viria nesta semana, com o Calunga Honorário pelo conjunto de sua carreira no XXI Cine PE – Festival do Audiovisual, na capital pernambucana. No entanto, a edição 2017 deste evento foi cercada de polêmicas, entre elas as desistências de todos os seus homenageados. E, assim como o crítico de cinema Luiz Joaquim e o ator Rodrigo Santoro, Cássia Kis Magro também declinou do convite para receber essa deferência. O Papo de Cinema conversou com a atriz durante o lançamento de seu último filme, o drama Redemoinho (2016), e também falou sobre o convite do Cine PE. Confira!
Oi, Cássia. Tudo bem? Fiquei muito tocado com a tua composição em Redemoinho, foi um personagem que no início do filme está tão desprovido de vida, e ao longo da história vai tomando força. Quero saber como foi construir esse personagem?
Não foi simples. Primeiro que a vida dessa mulher está apagada, mesmo. Acho que todos os personagens vão ganhando forma aos poucos, né? Não é um mundo que vai sendo revelado, mas um que a gente vai descobrindo devagar. Isso que é lindo, quando você entra na vida oculta de cada personagem, onde reside a nossa solidão. Sou louca por esse filme, gosto tanto que esqueço que estou nele. E isso, pra mim, é a coisa mais bacana e genuína.
O você sentiu quando assistiu ao Redemoinho pela primeira vez?
O que senti de imediato, enquanto o assisti, foi como “cara, faz muito tempo que não vejo nada tão impactante, que me coloca num lugar de tanta compaixão pelo homem de um modo geral”. Também senti uma emoção muito forte pelo reconhecimento da grande família que somos em um filme e o quanto esses sentimentos nos salvam, nos tiram da solidão, tanto como artistas como pessoas, como indivíduos.
Muito do teu personagem neste filme está no não dito. É alguém que segura um mundo de sentimentos no próprio peito. Como é ter tão pouco à disposição na hora que o diretor diz ‘ação’ e a filmagem começa?
Você que pensa que tenho tão pouco… Mas entendo o que tu quer dizer, pois era essa a impressão que queríamos passar para o espectador. Quando estou contando uma história, minha vida está ali junto com ela e não tenho como abrir mão disso, entende? O meu conceito é que não paro a vida pra fazer um trabalho, seja ele qual for. Vamos parar tudo pra contar algo que não acredito? Comigo, não! Nada ali é mentira para mim. Uma coisa está dentro da outra. Na medida em que vou vivendo a minha historia pessoal, ela contribui muito para aquela que estou contando na ficção.
Isso acontece com todo roteiro que você lê?
Não. Mas acontece com todos que preciso fazer. Quando leio um roteiro e penso: “Caraca! Porque tenho tanta intimidade com isso aqui?” E não é intimidade, é experiência… Você tem vida! Estou na profissão mais linda do mundo, mas ao mesmo tempo a mais difícil. É um exercício de muita solidão e dor, por mais que também dê prazer. Mas é um lugar de vivências, experiências. Você sempre tá mexendo dentro de si. Eu sei o que estou vivendo. Compartilhando para criar e para mudar cada personagem. Para melhorar. Tem que resolver. Algumas coisas é melhor deixar pra lá, embaixo do tapete. Outras surgem com pressa. É sempre diferente. E você não tem muita escolha, ou mexe, e corre o risco para fazer algo bom, que sirva para alguma coisa, ou deixa pra lá, não toca.
Vocês, atores, conversam sobre isso entre vocês?
Acabei de encontrar a Leandra Leal, há pouco tempo, e ela me tocou por dizer que se emocionou com esse meu trabalho. A emoção dela pelo que eu fiz mexeu comigo. Isso nos dá responsabilidade. Esse tipo de coisa que nos deixa feliz, né? Quando você escreve um artigo acontece o mesmo, não é a mesma coisa? Repercute, tá vivo, tá no mundo, a cada pessoa é tocada de uma maneira por aquilo que você criou.
O seu personagem em Redemoinho lembra aquele de Bicho de Sete Cabeças. Os dois são aquelas mães que guardam caladas, e não sabem como agir com o filho…
Pois é, bem lembrado. É verdade. No entanto, as duas estão bem longe uma da outra, em pontos bem diferentes da minha vida. Porque estamos falando de um filme que a Laís Bodanzky fez há mais de 15 anos. É nítida essa distância. Porém, ao colocá-las lado a lado, você logo lembra de tudo que mudou consigo mesma num espaço tão pequeno de tempo. É tanta coisa que pode acontecer e mudar sua vida, não é mesmo?
Você procura por paralelos quando pega um novo personagem? Chega a pensar: “já fiz isso antes, mas agora posso fazer diferente…”. O que te motiva a aceitar um papel, um convite?
O desejo de realizar, de saber que aquele personagem tem um lugar pra chegar, e a certeza de que esse processo será bom pra alguém. Tem que servir para alguma coisa. Você tem vários caminhos pra escolher. E não entra só a história do ator. Tem uma questão plástica, o bom gosto e as escolhas da realização. Eu sei quais são os momentos desse filme que mais gosto de ver, que reconheço que me saí melhor ou não. Puxa, aqui tem poesia. Reconhece a importância da fotografia, da direção, dos colegas de elenco. O lindo é o conjunto, isso é que importa, no final.
Cássia, você é de São Paulo. Porém, em Redemoinho, contracena com três atores de origens diferentes: um gaúcho, um pernambucano e uma paraense. Esse tipo de troca de estimula?
Foi ótimo! Eles são maravilhosos! E com eles dá pra contar várias histórias diferentes, não? O Julinho, que faz meu filho, veio lá do Rio Grande do Sul. E na mesma cena está o Irandhir Santos, essa força que o cinema pernambucano revelou. E logo em seguida aparece a Dira Paes, que veio de Belém, e eu amo ela.
Mas essa mistura é um objetivo ou uma consequência?
Acho que é uma prática do cotidiano. Eu não estou falando com você do mesmo jeito que conversei com a minha irmã, ou com a Vera Holtz, por exemplo. O lindo é a surpresa do encontro, né? Mas eu adoro! Cada encontro é único. Eu estou numa prática do presente. Nada escapa. Hoje, se estou andando na rua e alguém me cumprimenta, volto na hora! Quero cumprimentar e converso, abraço. Estou numa fase que existe troca e amor no que faço. Não se pode perder nenhuma oportunidade.
Isso parece ser o oposto da tua personagem, pois é uma mulher com tanto a dizer, mas que permanece calada.
Mas é uma escolha de construção. É uma mulher, com mais de 60 anos, que ainda está entendendo sua vida. É um gerúndio, está acontecendo. É preciso entender que família é aquela. A gratidão, a satisfação, isso não tem preço. A maneira como me organizo é o que me ajuda a construir o resto. Evidente que preciso entender a história que o autor está fazendo, mas é tudo parte de um mesmo processo.
E sobre o Cine PE? Como surgiu esse convite para você ser homenageada?
Pois então, não vai acontecer. Estarei ausente, o que é uma pena, mas foi uma questão de datas. Não fechamos um dia, o festival precisou ser adiado, e eu já tinha outros compromissos assumidos. Não haverá homenagem, claro. É uma pena, mas sempre teremos outras oportunidades.
(Entrevista parte feita ao vivo em São Paulo em Outubro de 2016 e parte por email em Junho de 2017)
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