Apesar de ter nascido nos Estados Unidos, com apenas três anos de idade Rosane Svartman já estava morando no Rio de Janeiro, onde vive até hoje. Cineasta e roteirista, começou sua carreira na televisão, ao mesmo tempo em que se aventurava em projetos mais autorais em curtas-metragens e em documentários. Após ter estudado Cinema no Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), estreou na tela grande como realizadora com a comédia jovem Como Ser Solteiro (1998), pelo qual ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Brasília e o prêmio de Melhor Filme segundo o público no Festival de Cinema Brasileiro de Miami. Desde então já dirigiu outros três longas-metragens, tendo sido o último – Tainá: A Origem, que estreia agora no início de 2013 em todo o Brasil – o primeiro feito sob convite. “Quando me ligaram para ser a diretora do terceiro filme da série Tainá, quase não acreditei de tão feliz que fiquei. Era um sinal de tinha feito as coisas certas até então, não?”, comentou a cineasta no nosso bate-papo abaixo, inédito e exclusivo para o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Rosane, tudo bem? O que o público irá encontrar em Tainá 3?
A única certeza que tinha quando assumi esse projeto é de que o público já tinha um afeto, um carinho com a personagem, e justamente por isso eu precisava ter muito cuidado. A Tainá está por aí há mais de uma década, é nitidamente brasileira, e se trata também de uma franquia de muito sucesso. Todo mundo conhece um pouco, sabe que ela mora na Amazônia, e que é uma guerreira. Este terceiro filme traz um pouco da origem dela, de como ela começou sua vida e como virou a guerreirinha que vimos nos outros dois filmes. Tem muita aventura, humor e emoção pela busca da identidade ela.
Como foram as filmagens? O filme foi feito inteiramente em locação ou tiveram cenas em estúdio?
Nós filmamos 100% na Amazônia, e em lugares incríveis. Quando entrei no filme, pessoas da equipe que participam da série desde o primeiro longa-metragem me ajudaram nesse processo para encontrar os melhores lugares para filmarmos. Tinha que ser ainda na floresta, mas uma novidade visual dentro desse ambiente.
E a escolha da nova Tainá, a Wiranu Tembé, foi muito difícil?
A Claudia Levay, a roteirista, e o Claudio Bairros, produtor e preparador de elenco, foram os responsáveis por terem encontrado a Wiranu, a nossa protagonista. Foram mais de duas mil meninas entrevistadas até chegar a nossa atriz. Quando cheguei já haviam onze meninas finalistas, oito das aldeias da região, indiazinhas de verdade, e mais três das proximidades, mas mais urbanizadas. Ou seja, nenhuma delas era atriz, é claro. Quando me deparei com estas meninas, ao colocar o olho na Wiranu soube na hora que tinha encontrado a garota certa! E isso foi um problema, porque ela tinha apenas 4 anos, ao passo que a personagem no roteiro tinha 8 anos, o dobro da idade! Foi por isso que decidimos tornar o filme mais físico, com mais ação e com menos diálogos. Foi preciso muito treinamento para se adaptar tudo aquilo que havíamos criado para a nossa protagonista. Mas valeu a pena!
O que você acredita ter aprendido durante as filmagens?
Nossa, muita coisa. Tudo que está na tela surgiu daquilo que vivi entre os índios, foi uma grande imersão. A árvore de açaí, por exemplo, foi algo que surgiu da minha observação sobre ela na aldeia. A Grande Árvore foi encontrada no Amapá, na Ilha de Santana, pois somente lá encontramos uma tão imponente, poderosa, e ainda assim de fácil acesso, onde a equipe de filmagem conseguisse chegar. Pensei que seria possível filmar na Floresta da Tijuca, aqui no Rio de Janeiro, e talvez só as cenas mais amplas na Amazônia, pensei em filmar em 3D… mas não era real! Foi quando percebemos que teria que ser real, 100% em locação, que era esse o novo diferencial, é algo que só tem no Brasil!
Porque foi necessário voltar às origens do personagem, ao invés de simplesmente dar sequência aos acontecimentos mostrados nos dois longas anteriores?
Era um filme que falava da origem da Tainá, mas a decisão de ser um filme zero, de começo, só aconteceu quando escolhemos a atriz. A ideia inicial era fazer parte da trilogia, mas na mesma idade do primeiro Tainá (2001). Só depois é que percebemos que seria necessário readaptar tudo, o projeto inteiro, para conseguir aproveitar essa menina fantástica que a gente havia descoberto. A personagem mudou, várias cenas caíram e outras surgiram, tudo precisou ser adaptado. A Wiranu tem muito mais experiência em ser uma menina índia do que eu, ela conhece aquele universo. Então foi preciso ter muita troca e observação. A família dela colaborou bastante, também. Ela se adaptou tranquilamente com o processo das filmagens, aprendeu português muito fácil. A Wiranu parecia uma pequena adulta, foi muito responsável, mesmo que fosse tudo uma grande brincadeira para ela! E foi tudo filmado com película, por questões técnicas devido à umidade da floresta. Ou seja, qualquer erro teria um custo alto nos nossos bolsos, mas mesmo assim deu tudo certo.
Quais as principais diferenças entre Tainá: A Origem e os dois primeiros longas da série?
Eu acho que muita gente conhece a personagem porque os filmes já passaram várias vezes pela televisão, ou por terem visto em DVD. Então, os mais de dez anos que separam o primeiro do terceiro filme não me preocuparam, pois a Tainá tem seus fãs. É muito difícil pra mim fazer uma análise mais distanciada, estou muito envolvida. A roteirista tinha muita informação, era a mesma dos outros filmes anteriores, então me apoiei muito nela e nos produtores. Não queria que esse novo filme fosse uma quebra, mas sim que respeitasse o afeto em torno do personagem e que ao mesmo tempo pudesse oferecer algo de novo.
Foi preciso alguma pesquisa especial para falar com um público tão jovem?
Claro, o trabalho foi intenso. Fomos em escolas, fizemos muitos ensaios, muita preparação. Trabalhei também com o elenco, com cada ator, com toda a equipe técnica. Era muito importante para mim que todos estivessem na mesma sintonia. Como tenho filhos pequenos, vejo muito filme infantil, desde blockbusters hollywoodianos até produções mais alternativas, europeias. Foi desse caldeirão que tirei a minha Tainá, juntando todas essas referências. Sabia que não teríamos tantos efeitos especiais e que deveria ser mais artesanal, mais em função da história. Tinha sempre os dois filmes anteriores em mente e buscava meios de como contar esse filme, como mostrar que a gente realmente estava ali, na Amazônia, naquele lugar, com aquelas pessoas. Adaptei a tecnologia que tinha disponível para a trama que a gente precisava narrar. Éramos todos umas formigas dentro daquela floresta enorme! Trazer o público para essa grande aventura com essa menina fantástica era a nossa missão. A sensação da verdade, do real, isso era o principal a ser transmitido. A gente tinha uma técnica de som completamente louca, insana, que ia de madrugada capturar sons raros, incríveis, e tudo isso está no filme! É a nítida sensação de estar dentro da floresta!
Você começou como realizadora em filmes para jovens adultos, depois para os adolescentes e agora seu foco são as crianças. Porque cada vez um público mais jovem?
Na verdade não foi uma busca consciente. Foi por causa do Desenrola (2011) que acabei fazendo Tainá: A Origem. Uma coisa levou à outra. Fiquei muito feliz, mas esse foi também o filme mais difícil que fiz, com tantas variáveis e sendo desse porte, com um orçamento de mais de 9 milhões de reais. No Como Ser Solteiro, eu tinha a idade daqueles personagens. Já o Desenrola exigiu uma extensa pesquisa. E com a Tainá só precisei olhar para o meu filho pequeno, que era um universo que já conhecia, estava meio preparado. Queria fazer um filme para os meus filhos verem. Quando eles foram no set foi muito bacana, depois de meses que eu estava fora de casa, e eles chegaram como se fosse um parque de diversão, estava refletido nos rostos deles a felicidade de poderem, mesmo que por poucos dias, fazer parte daquilo tudo. E é isso que queremos com os espectadores, levá-los juntos nessa grande aventura.
De todos os seus trabalhos anteriores, o que mais admiro é o Desenrola, que considero uma das melhores produções juvenis já feitas no Brasil. O que este trabalho lhe ensinou para fazer Tainá 3?
O Desenrola foi um filme teve em torno de 100 cópias e teve em torno de 400 mil espectadores. O desempenho foi de acordo com o lançamento dele. Foi razoável. Mas talvez ele tenha sofrido de algo que o Tainá: A Origem também sofra, que é o desafio de fazer um filme para um público sem muitos pares. São poucos os filmes nacionais feitos para essa faixa etária. São poucos os exemplos de produções estreladas e dirigidas para o espectador dessa idade. Queria falar de uma forma horizontal. A Tainá também não tem muitos similares. Cada filme ajuda o outro, e espero que isso vá construindo uma plateia interessada em ver trabalhos dos mais amplos gêneros. Menino Maluquinho, os filmes dos Trapalhões… isso acaba fidelizando o público.
Como tem sido a recepção do público nestas primeiras exibições de Tainá 3?
As sessões estão sendo muito legais. Já fizemos para futuros professores, crianças… o bacana é ver o diálogo entre os menores e os adultos com o filme. Na música final eles batem palmas, quando se assustam com os vilões, quando se emocionam com os animais. Tem muita gente agradecendo, “obrigado por esse filme”, por mostrar o nosso país. E isso não tem preço!
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro no dia 22 de janeiro de 2013)
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