Documentarista e designer, Robin Vogel aparenta nunca ter tido maiores problemas com sua própria sexualidade. Talvez tenha sido influência familiar – sua mãe participou do movimento hippie dos anos 1970, enquanto que o tio-avô foi o primeiro a se assumir homossexual em sua família, abrindo espaço para que ele, anos depois, tivesse um comportamento mais liberal. Apaixonado por cinema, viu sua vida mudar ao ser convidado por um ex-namorado a conhecer o Club Church, um dos principais lugares de encontro LGBT de Amsterdã, na Holanda, onde mora. O que viu lá e como tal visita acabou influenciando seu comportamento virou mote do documentário chUrchroad, seu trabalho de estreia como realizador. Selecionado para o Rio Festival de Gênero e Sexualidade no Cinema 2016, o cineasta infelizmente não teve como vir ao Brasil. Mas tirou um tempo para conversar com a gente sobre o projeto. Confira!
Olá, Robin. Tudo bem? Como você descobriu o Club Church?
Olá, tudo bem por aqui! Pois então, eu descobri o Club Church por causa de um ex-namorado. Ele que me levou lá pela primeira vez. Ele já conhecia o lugar, já o frequentava, e queria que eu o conhecesse. Mas eu não sabia o que esperar, não imaginava o que iria encontrar lá.
Em chUrchroad você fala do espanto que sentiu ao visitar o clube pela primeira vez. Você visita o lugar com frequência? Ainda tem esse tipo de reação ou, depois de um tempo, já está acostumado?
Pois então, o Club Church fez parte da minha vida, sim, e é um pouco disso que quis resgatar com o filme. Durante um ano, mais ou menos, após a minha primeira ida lá, segui frequentando-o regularmente, quase como uma rotina. Atualmente, no entanto, se vou lá umas oito vezes no ano, creio que seja muito. E cada vez que o visito, sei bem o que irei encontrar. Não estou apenas acostumado, como frequentador, mas também por causa da extensa pesquisa que fiz a respeito. Então eu sei bem o que o clube significa para todos os seus visitantes, e mais do que ninguém tenho consciência do que ele representa para mim.
Você fala sobre o excesso de liberdade que o Club Church permite ao seus frequentadores. Depois da realização de chUrchroad, você acha que isso é algo bom ou ruim?
Isso realmente depende de como você lida com essa liberdade. Um lugar como esse oferece a você a oportunidade de explorar a si mesmo em uma realidade um tanto distorcida. Um processo como esse lhe dá também consciência sobre sua personalidade, sua identidade e sexualidade. Vejo isso como uma qualidade. Quanto melhor você conhece a si mesmo, melhor você irá lidar com o dia a dia. O risco potencial é que essa liberdade pode se tornar um vício, a ponto de você só se sentir realmente livre em situações extremas e ser levado a viver uma vida dupla, uma durante o dia e outra à noite, no clube. Você precisa se manter fiel a si mesmo e estar atento aos motivos de se visitar um lugar como esse. Afinal, você está mesmo celebrando a liberdade? Ou está apenas fugindo da sua própria realidade? Liberdade, afinal, acarreta também responsabilidade.
Você conheceu seu namorado no Club Church. Foi difícil convencê-lo a participar do filme?
Isso é algo um pouco confuso. Na verdade, não cheguei a conhecer o meu atual namorado no Club Church. Mas ele, de fato, costumava ir lá antes de nos conhecermos. E eu já estava trabalhando no projeto do chUrchroad antes de nos encontrarmos. Porém, à medida que o filme ia ficando cada vez mais pessoal, se tornou também importante permitir que ele estivesse em cena, ouvir o que ele teria a dizer. Para a história que eu queria contar, era necessário que eu estivesse solteiro, ao menos no começo. É por isso também que ele só aparece na metade final do filme. E não precisei me esforçar para convencê-lo, de forma alguma. Ele entendeu minha proposta.
Aliás, como foi a seleção de entrevistados? Houve pessoas que você contatou e não quiseram se manifestar a respeito?
Levou um longo tempo de preparação até que as filmagens começassem de fato. Foi um processo demorado, pois precisava refletir sobre o que queria dizer com isso, e falar com todo mundo a respeito. Então, quando tudo teve início, a maioria dos regulares do clube sabiam o que eu queria com esse filme. Como eu não era alguém de fora, mas, sim, alguém que conheciam e já se relacionava com eles, foi fácil construir essa confiança. No entanto, nem todo mundo que conversou comigo em frente às câmeras foi aberto o suficiente para ser útil. Alguns destes personagens nem chegaram à sala de montagem. Eu filmei todas as entrevistas sozinho, apenas eu e o entrevistado. Não havia mais ninguém, nem mesmo alguém do som, ou segurando a câmera. Era apenas nós dois. Isso possibilitou que a situação fosse bastante pessoal, para que os convidados se sentissem seguros o suficiente para se abrirem.
Sobre a sua relação com o seu tio Ton, você chegou a levá-lo ao Club Church? Como ele teria reagido a um lugar como esse?
Eu cheguei a convidá-lo a ir a lugares gays, como o Club Church, mais de uma vez, mas ele nunca quis. Ele se sentia muito velho para isso. E ele se satisfazia com a minha história, com o que eu falava a respeito para ele e com tudo que ele lia em seus diversos livros.
Como tem sido a reação do público diante chUrchroad? Ele chegou a ser exibido comercialmente, no cinema ou na televisão, na Holanda ou em algum outro lugar?
chUrchroad teve sua primeira exibição no Festival KGBT Roze Filmdagen, aqui em Amsterdã, e depois chegou a ser exibido algumas vezes em salas de cinema independentes pela Holanda. Agora, está aos poucos descobrindo seu caminho no circuito internacional de festivais. Depois, espero colocá-lo a disposição online, em algum sistema seguro de distribuição. A reação mais comum que percebo é que as pessoas esperam um filme muito mais rude, direto e até mesmo superficial. E, por isso mesmo, acabam se surpreendendo com a sinceridade do meu discurso e com as camadas de profundidade que proponho. Isto as tem levado a refletirem sobre o que veem em cena e a discutirem a respeito. Gosto muito disso. Semana passada ganhamos o Troféu Wildcard no Festival de Documentários de Melbourne, na Austrália. Então, lá, ao menos, parece que curtiram o filme.
Que retorno você tem recebido sobre a exibição de chUrchroad no Brasil? Como surgiu o convite para participar do Rio Festival de Gênero e Sexualidade no Cinema?
Bom, ainda é muito cedo. O festival está acabando hoje, certo? Infelizmente, não tive como ir ao Rio de Janeiro acompanhar de perto as exibições. O convite não foi bem um convite, aliás (risos). Nós nos inscrevemos e acabamos sendo selecionados. Tal retorno foi incrível, e só essa oportunidade, pra mim, já seria o bastante. Mas quando leio uma crítica sobre o filme como a do Papo de Cinema – sim, eu a coloquei no Google Tradutor e li tudo o que você escreveu (risos) – considero que essa é a melhor resposta que poderia esperar.
(Entrevista feita por email direto de Amsterdã em 16 de julho de 2016)
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