Nascida no dia 04 de julho de 1988, a cineasta e roteirista Maria Clara Escobar faz parte de uma nova geração que tem, nos últimos anos, provocado uma inteligente renovação no cinema nacional, misturando os limites entre os gêneros com obras instigantes e originais. Após trabalhar em longas de amigos e colegas, Maria Clara estreou há pouco como realizadora com o documentário Os Dias com Ele, baseado em relatos do próprio pai, Carlos Henrique Escobar. Premiado como Melhor Filme pelo Júri da Crítica e pelo Júri Jovem na 16° Mostra de Cinema de Tiradentes, o longa entrou há pouco em cartaz nas principais cidades do país, propondo uma interessante reflexão sobre os anos de chumbo e os atuais caminhos da esquerda política no governo. O Papo de Cinema aproveitou para conversar com a diretora, nesse bate-papo inédito e exclusivo. Confira!
Quando você tomou o primeiro contato com a história de seu pai, Carlos Henrique Escobar? Era algo que tinha consciência desde a infância ou foi saber somente quando adulta?
Convivi com meu pai na infância, então o via entre intelectuais, entre grupos de estudos em casa. A sua história mesmo, uma parte de sua infância, como se sentia em relação ao mundo, no entanto, só fui saber quando ele me escreveu uma carta de 12 páginas, eu ainda era criança, para contá-la. Ele decidiu fazer isso, contar algo dele, e foi muito bonito. Eu tenho a carta até hoje. Sobre a ditadura especificamente, talvez intuitivamente, sempre foi algo que me tocou muito. E então, entre as coisas que aprendi na escola e as conversas que tivemos, entendi que ele havia feito parte. O que fazia todo sentido, já que muitos dos nossos domingos de pai e filha eram passados em assembleias do PT. Então, acho que de uma forma geral, sabia de coisas por alto, coisas que ele optou por me contar.
Por que levar essa trajetória aos cinemas?
Acredito que o filme, além de dar palavra a uma pessoa muito lúcida, que não está em um lugar comum da esquerda que conhecemos agora, fala de muitas coisas – fala de fazer um filme, de falarmos a respeito e da conduta do nosso país diante ao que aconteceu na ditadura. É, em certo aspecto, ir contra uma certa conduta burguesa em se calar. Acho que por isso, e talvez ainda por outros motivos, me pareceu que fazia sentido fazer um filme. Porque nunca se tratou de um acerto de contas ou um filme-umbigo, termos ultimamente em voga.
E por que a opção pelo documentário, ao invés da ficção?
Porque foi orgânico. Porque nem sequer se teria material para fazer uma ficção, e porque talvez, em uma obra ficcional, tal e qual se diz o formato – e acho que é a isso que você se refere quando faz essa pergunta – fosse querer dar conta de fazer um discurso só, sobre o período da ditadura. Já fizeram muito isso, e não gosto particularmente da maioria dos resultados. Mas, em contraponto, acho que Os Dias Com Ele também brinca com isso, com esse limite aí, cada vez mais claramente inexistente desses conceitos de ficção e documentário. O filme é bastante encenado, porque não dizer que também é uma ficção?
Como foi o relacionamento com seu pai durante as filmagens? Ele sempre soube que tipo de filme você pretendia realizar?
A relação foi bastante como está evidenciada na tela. Se ele soube? Acho que soube tanto quanto eu ia sabendo e não sabendo no processo. Portanto, sabia que fazíamos um filme, mas, que filme seria, não. Nem eu poderia dizer.
Em seus trabalhos anteriores, você colaborou com cineastas como Julia Murat e Caetano Gotardo. O que os estilos deles de fazer cinema influenciaram na realização de Os Dias com Ele?
Os dois são parceiros e amigos, trabalhei nos filmes deles, assim como eles trabalharam em meus curtas. Com certeza em algum lugar, nossas trocas influenciam os meus filmes. Influenciam minha vida também, diariamente.
Juliana Rojas é outro nome de destaque no novo cinema brasileiro que consta nos créditos de Os Dias com Ele, ao lado de Julia Murat, as duas como montadoras. Como foi contar com o trabalho dessa dupla logo no seu primeiro filme?
Como disse, são amigas, que desde antes são parceiras. A Juliana um pouco menos, porque não havíamos trabalhado juntas mas, rapidamente, se transformou em uma parceira de vida fundamental. Acho que além de considerá-las montadoras incríveis, que foram perfeitas para a imensa quantidade e complexidade do material, elas foram grandes amigas, que lutaram pelo filme, durante todo o longo processo de montagem. Não dá pra separá-las do filme. O filme é delas também, é elas também. Algo que se pode dizer além disso sobre as duas é que são diretoras muito fortes também, e com certeza essa troca com duas realizadoras tão potentes e que possuem uma visão de um filme como um todo – não só a montagem – foi muito rico e importante para Os Dias Com Ele ser o que é hoje.
O que você espera que o público encontre em Os Dias com Ele?
Primeiro de tudo, espero que o público encontre o filme. A distribuição, como já sabemos, ainda mais de um documentário brasileiro, em meio a tantos filmes, é muito difícil. Depois, que encontrem uma boa projeção, com um bom som, para que eles recebam o melhor que a gente fez. Estou brincando, em parte, mas é verdade o que digo. Por fim, espero que o público encontre algo. Que sinta algo. Se o filme conseguir isso, já somos todos vitoriosos.
(Entrevista feita por email no dia 07 de maio de 2014)
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