Na primeira vez em que conversei com Petrônio Lorena, ele estava, ao lado do amigo e parceiro Tiago Scorza, lançando o documentário O Gigantesco Imã (2015), selecionado para a mostra competitiva do XIX Cine PE. O filme saiu de lá premiado com uma Menção Honrosa do júri oficial e com o troféu de Melhor Trilha Sonora, justamente para Petrônio e as Criaturas, banda do cineasta e também músico. E foi essa forte ligação com o universo musical que o atraiu para o seu projeto seguinte, O Silêncio da Noite, doc ambientado na região do Rio Pajeú, na divisa de Pernambuco com Paraíba, lugar onde nasceu e morou por grande parte de sua vida. O olhar, agora, se dirige aos repentistas e a essa veia artística que se manifesta com uma força impressionante nos moradores de lá. E foi sobre esse mais recente trabalho que o diretor conversou, novamente com exclusividade, com o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Petrônio. Antes de cineasta, você é também músico. Como essa ligação te influenciou a investigar a arte dos repentistas em O Silêncio da Noite?
Vários fatores me influenciaram. Desde adolescente que leio poemas dos grandes vates sertanejos que trabalham com o improviso: Jo Patriota, Louro do Pajeú, Pinto do Monteiro e muitas histórias de Zé Marcolino, que escreveu o livro Cantadores, prosas sertanejas e outras conversas. Esse volume me marcou quando tinha uns 14 ou 15 anos. Mas, no ano de 1995, fui participar de um festival de música em São José do Egito, o FEMP (Festival de Música do Pajeú). Durante o evento, que durou 5 dias, fiquei extasiado com a verve 24 horas de todos os tipos de pessoas. Do cara que apresentava o festival aos músicos, as mulheres que preparavam a comida em uma escola, além de muitos filhos de poetas falecidos e famosos naquela região. Achei que estava numa terra encantada, e realmente estava.
Foi assim que o filme nasceu, através desse encantamento?
Quase tudo terminava em verso e começava também. Já se falava metrificado de tanto costume que o pessoal de lá tinha e ainda tem de ouvir cantorias, ouvir declamações e expressar os sentimentos através de poemas. Quando o festival terminou, tive a sensação de que precisava mergulhar naquilo. Naquele momento já havia iniciado meus estudos de cinema. A ideia de realizar algum material audiovisual com a performance poética popular do sertão pernambucano ficou dentro de mim. Em 2001, escutei o disco Curvas, do compositor e poeta Zeto, cuja faixa 15 ele faz uma referência à Severina Branca declamando versos dele sobre o mote dela, “O Silêncio da Noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras”. Em 2010 fui para São José do Egito e passei um mês. Sai de lá com o foco para o filme: o sentimento do poeta.
O Silêncio da Noite é que tem sido Testemunha das minhas Amarguras. Além de longo, o título completo do filme também é triste, até mesmo nostálgico. Por que essa escolha?
Este título vem de Severina Branca, ex-prostituta e poetisa de São José do Egito, considerada a Eleanor Rigby do sertão. Mulher que inspirava poetas através de motes rebuscados, como esse que dá título ao filme. Esse verso fala da condição de incompreensão do poeta na sociedade, do pouco amparo que essas pessoas recebem – me refiro àqueles que vivem só de poesia, de fazer cantoria. Para essas pessoas, a solidão da madrugada é uma companheira certeira que acompanha alegrias e torturas da vida. É o momento em que as ideias surgem, em que os versos aparecem, quando a inspiração se acalma para que o pássaro da poesia volte a pousar sobre o ombro do poeta. Além disso, sempre tive o costume de andar de madrugada durante a adolescência, e quando escutei essa frase me lembrei das minhas peregrinações noturnas, na época em que morava em Serra Talhada. Aquele silêncio noturno sempre me disse muito. Esse filme é um encontro comigo também através de tantos poetas, pessoas que possuem sensibilidade rara e que deixam esse mundo mais leve.
Qual era o teu principal objetivo e o maior desafio enfrentado ao realizar O Silêncio da Noite?
O principal objetivo e desafio era o de fazer um filme sobre essa efervescência poética presente nas regiões do Pajeú e do Cariri paraibano, através de uma linguagem poética audiovisual que pudesse acompanhar a poesia presente no cotidiano das pessoas de São José e região. Fiquei muito contente com o resultado.
Você é da região do Rio Pajeú, na divisa de Pernambuco com a Paraíba? Já bebeu da água do rio?
Eu nasci em Serra Talhada, que fica a quase duas horas de São José do Egito, que faz divisa com a Paraíba. Em Serra também passa o rio Pajeú, mas nesse trecho do rio não há mais água. Já tomei centenas de banhos nesse rio há muito tempo.
Como se deu a escolha dos personagens que são entrevistados e homenageados em O Silêncio da Noite?
Convivi muito tempo com várias pessoas de lá. Desde 2010 vou até lá várias vezes por ano. Fui umas sete ou 8 vezes durante as filmagens. Nas primeiras viagens, o poeta Didi Patriota me apresentou a vários poetas, até já conhecia alguns. O entrosamento com eles me fez selecionar os que que deveria filmar.
Antes de O Silêncio da Noite, você desenvolveu uma prolífica parceria com o Tiago Scorza, inclusive no documentário O Gigantesco Imã (2014), dirigido por vocês dois. Como se deu essa separação entre vocês?
Não há uma separação. Nem em todos os projetos estamos juntos. Em breve vai aparecer alguma novidade da nossa parceria. Nós temos muitas afinidades para a realização audiovisual.
(Entrevista feita por e-mail em março de 2018)
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