Marcelo Galvão é formado em Publicidade e Propaganda, além de ter estudado Cinema na New York Film Academy. Depois de um período envolvido com agências de publicidade, decidiu largar tudo e abrir sua própria produtora, a Gatacine. Desde então, escreveu, produziu e dirigiu diversos longas-metragens. Seu longa de estreia, Quarta B (2005), foi exibido em festivais no Uruguai, França, Paris, Londres e Nova Iorque. Depois de Bellini e o Demônio (2008), baseado no romance de Tony Bellotto, lançou a comédia de ação Colegas (2012), consagrada com o kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado. O drama romântico A Despedida (2014), no Nelson Xavier e Juliana Paes, o levou novamente ao festival da serra gaúcha, de onde saiu, dessa vez, com o Kikito de Melhor Direção. E como um é pouco, dois é bom e três nunca é demais, Galvão esteve novamente em Gramado com seu mais recente trabalho, o faroeste O Matador (2017), a primeira produção nacional feita em parceria com a gigante plataforma de streaming Netflix. Depois de participar também da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme agora se encontra disponível pelo serviço e ao alcance de todos. E aproveitando esse lançamento, nós conversamos com o cineasta sobre como foi essa parceria. Confira!

 

Como surgiu o projeto de O Matador?
Começou com um roteiro que escrevi há cinco ou seis anos. Minha vontade era escrever um filme de ação. Mas não queria fazer sobre favela. Gosto muito de faroeste, assisti a vários bangue-bangues italianos com o meu pai, com o meu avô, os filmes do Sergio Leone. E gosto muito de Tarantino, também. Django Livre (2013) é um dos meus favoritos, por exemplo. Foi quando tive a ideia: “vou fazer um western no Brasil”. E a gente tem um fato histórico muito contundente para isso, que é o cangaço. Decidi, então, fazer um levantamento de todos os filmes que temos sobre o cangaço, assisti a bastante coisa, vários documentários sobre o Lampião, e aí comecei a escrever essa história.

E a parceria com a Netflix, desse ser o primeiro filme brasileiro produzido diretamente para essa plataforma de streaming? Como surgiu?
Esse filme, no começo, estava com a Paris Filmes. Já tínhamos captado um bom dinheiro, mas, mesmo assim, estava difícil fechar o orçamento. Tenho uma coisa comigo, para tudo estabeleço datas. Por exemplo, precisava fazer o meu primeiro longa antes dos 30 anos. E para esse filme também tinha uma data, que se não fosse cumprida, iria atrapalhar outros projetos. Tínhamos atores internacionais envolvidos, além disso. A Maria de Medeiros tem uma agenda a ser cumprida, que é super complicada. E não só ela: o Diogo Morgado também, o Etienne Chicot… Quando começou a chegar próximo da data que havia combinado comigo mesmo, ainda faltava grana e não haviam outras possibilidades dentro daquele prazo. Foi quando fiz um pitching nos Estados Unidos, durante o Los Angeles Brazilian Film Festival, e me aproximei da Carolina Vianna, que se encantou pelo projeto e pediu para ler o roteiro. Foi quando me disse: “a gente, da Netflix, quer produzir”. Daí devolvi o dinheiro que havíamos arrecadado, terminei com o acordo com a Paris, num processo muito tranquilo, e a partir daí a produção foi rápida. Em menos de dois meses conseguimos fazer com que o filme acontecesse.

 

O Matador passou pelo Festival de Gramado e pela Mostra Internacional de São Paulo. No entanto, além dessas exibições, ele só será encontrado via streaming? Ele não será exibido nos cinemas?
Exatamente. Esse é o novo modelo. Não tenho mais essa preocupação. Para se ter uma ideia, 90% dos filmes feitos no Brasil não vão para o cinema. E dos 10% que entram no circuito, a maioria não passa de uma ou duas semanas em cartaz. Você faz filmes para as pessoas assistirem. Gasta anos captando, produz com muito suor, ralando pra caramba, e no final ninguém vê? Daí, por outro lado, surge uma empresa disposta a bancar tudo, você não precisa pegar dinheiro de lei de incentivo, e já garante uma distribuição para 190 países, em 20 línguas… isso é tudo que qualquer produtor pode querer!

Marcelo Galvão, ao apresentar o filme O Matador no Festival de Gramado 2017

Mas é uma mudança muito forte no padrão estabelecido até hoje, não?
Quando falei desse lance do avanço tecnológico, é porque acredito nisso. E não precisa ser inédito! Quantos filmes gostaria de ver na tela grande que já passaram antes? Nesse ano mesmo, durante o Festival de Cannes, tive a oportunidade de assistir ao Desaparecido: Um Grande Mistério (1982), em uma tela gigante que montam na beira da praia, que foi incrível! Portanto, isso não quer dizer que, no futuro, quem sabe, o meu filme também não possa entrar numa forma diferente de projeção.

 

Você falou dos atores internacionais que estão no elenco de O Matador. Como você os atraiu para este projeto?
O roteiro foi que atraiu todo mundo. E, com exceção do Diogo, todos eram, também, as minhas primeiras opções. Quer dizer, o Will Roberts, que faz o Gringo, também não era a nossa escolha inicial – havíamos pensado no Danny Trejo. Só que com ele foi difícil, é um ator caro para nós, e por isso decidi pegar esse cara que, aliás, está no Guinness como o mais rápido do mundo em spinning gun, em girar a arma. Ele não chega a ser muito famoso, mas acaba fazendo muitos filmes por conta dessa habilidade.

 

E o Diogo? Ele já trabalhou inclusive em Hollywood…
Sim, é verdade, mas quem queríamos no início era o Seu Jorge. Mas ele é um cara difícil de trabalhar. Você combina e não aparece, manda mensagem e não te responde… Daí pensei: “vou para o Nordeste, ficar dois meses com esse cara, tomando banho de água gelada… isso não vai dar certo”. Foi quando me vi sem o protagonista. Tive uma conversa com ele e foi cada um para seu lado. Nesse meio tempo, o Diogo ficou sabendo do projeto, e foi quem veio atrás de mim. Chegou a gravar um vídeo se apresentando, dizendo porque queria fazer, e me mandou. Afinal, o Cabeleira é um personagem muito diferente, ainda mais para ele. Imagina, sair de Jesus Cristo para fazer um matador de aluguel?

Marcelo Galvão (ao centro) e equipe e elenco de O Matador na première em São Paulo

Fazer um filme dentro desse modelo te deu mais liberdade?
A Netflix nem se preocupa em controlar o que estamos fazendo. “O filme é seu”, foi o que me disseram. Não existiu nenhum tipo de controle, do tipo “olha, isso tá muito pesado, aqui tem muita violência” e tal. Deixaram eu fazer do jeito que queria, e aí que estava o grande barato. Se começassem a se impor, talvez, sim, a gente tivesse um problema.

 

Houve alguma preocupação da tua parte em dosar o que ia ser exibido?
Apesar de termos uma violência crua, visceral, você pode ver que nada é gratuito. Ao menos é o que acho, e foi sempre assim no meu cinema. Não to ali mostrando uma mulher pelada, transando com um cara, só pra exibir o peito dela. Pelo contrário, quero mostrar que é importante ter sexo na vida do personagem. E não só nesse filme: observe o Colegas (2012), com a relação entre os garotos, ou mesmo A Despedida (2014), com um senhor na cama com uma mulher muito mais jovem, tento sempre mostrar esses encontros de uma forma bonita e necessária para a trama. E isso tanto no sexo, quanto na violência. Essa, por outro lado, é natural, mas não chega a ser como um Tarantino, com miolos voando pela tela. Não tento exagerar, mas deixo claro que o que houve, e que foi pesado, porém sem extrapolar, sem ir para o lúdico, sem hiperbolizar de forma desnecessária.

Marcelo Galvão e o kikito de Melhor Trilha Sonora que O Matador conquistou no Festival de Gramado 2017

O Matador tem, também, um grande número de efeitos especiais. Como foi esse preparo?
Uma coisa que sempre soube é que todos os tiros, por exemplo, não deveriam ser reais. Foi tudo feito na pós-produção. Porque, se fosse de outro jeito, iria atrapalhar muito o dia a dia das filmagens. Imagina só, dá um tiro, suja o figurino do cara, e se não ficou legal, tem que ir e trocar a roupa dele e fazer tudo de novo. Ia ser inviável. Foi por isso que tudo foi colocado depois. Outra coisa que nos deu trabalho foi a onça. Ficamos mais de seis meses criando uma onça em 3D, que, no entanto, não casava com o animal que tinha sido filmado na pedra, andando. E, apesar dela ter ficado maravilhosa, tivemos que jogá-la fora e fazê-lo de modo subjetivo, assumindo o olhar do bicho. A tempestade de areia, e outros efeitos grandiosos, foram todos feitos pela Tribo, em São Paulo. Fizemos um filme de gênero, diferente, mas todo no Brasil, com a nossa cara. E era isso que queria.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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