Indicado ao Oscar logo por seu trabalho de estreia – o curta Uma História de Futebol (1998), sobre um episódio da infância do rei Pelé – Paulo Machline não se deixou seduzir facilmente por Hollywood, e tem construído, desde então, uma das carreiras mais interessantes do cinema nacional. Depois de outros curtas, séries na televisão e até um documentário, ele estreou no formato longa com o pouco visto Natimorto (2009), filme exibido no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Depois, contou a história do maior carnavalesco do Brasil em Trinta (2014), com uma performance sobrenatural de Matheus Nachtergaele como o protagonista, e agora está de volta às telas adaptando o romance de Cristóvão Tezza, O Filho Eterno. Estrelado por Marcos Veras e Debora Falabella, este filme fala sobre as transformações de uma família após o nascimento de um garoto com Síndrome de Down. O longa, já em cartaz nos cinemas, é uma produção da RT Features, a mesma por trás de títulos badalados como Frances Ha (2012) e A Bruxa (2015). O Papo de Cinema conferiu a primeira exibição pública de O Filho Eterno, no Rio de Janeiro, e conversou com o diretor logo após a sessão. Confira como foi esse bate-papo inédito e exclusivo!
Nós conversamos pela primeira vez no lançamento do Trinta (2014), e naquela ocasião você comentou que uma das piores coisas da vida havia sido a indicação ao Oscar por Uma História de Futebol (1998), por toda a pressão que isso gerou sobre os teus trabalhos seguintes. Agora vamos falar sobre O Filho Eterno, um filme em que o futebol volta a ter uma presença muito importante. Gostaria de saber como essa referência entrou no filme?
Na realidade, isso é algo que veio do livro. Mas faz todo o sentido, muito bem apontado. Ao brincar com esse elemento do futebol, a única mudança que fiz foi ter descentralizado. Porque no livro tudo acontece em cima do Atlético Paranaense, enquanto que no filme mudamos pra a Seleção Brasileira.
A Copa do Mundo, por si só, já é algo cíclico, com data certa para acontecer, terminar e voltar…
Exato. E também porque naquela época, nos anos 1980, as pessoas se importavam de fato com a nossa Seleção e foi uma época cheia de gênios e craques. Então, uma derrota, qualquer derrota, era muito dolorida. Por isso a gente achou que poderia funcionar, que ajudaria na narrativa e com o personagem. Afinal, estas são duas derrotas acachapantes do Brasil, na sequência Itália e depois Argentina, terminando com a grande vitória da Itália. A gente acreditou, desde o roteiro, que realmente ajudaria a contar a nossa história.
Você foi convidado a fazer este filme. Qual foi a tua primeira impressão quando lhe fizeram essa proposta?
Então, foi um pouco estranha. Porque, quando li o livro pela primeira vez, falei: “gente, não sou diretor pra esse filme”. Afinal, é um universo que desconheço completamente. Só que não dei a resposta, falei que precisava de um mês pra pensar. Nesse período, comecei a entender esse universo. Tenho um amigo com um irmão com Síndrome de Down, e me aproximei um pouco mais deles. Afinal, é um homem de 40 anos. Conversei com ele, com a família, e fui aos poucos descobrindo esse universo, e como esse processo foi para eles, que quase todo mundo em situação similar passa. Foi só aí que liguei pro Rodrigo Teixeira, o produtor, e falei que queria fazer. Na era que você escolhe um projeto, ou você vai falar de alguma coisa que conhece muito, totalmente no domínio, ou vai fazer um mergulho no desconhecido. Esse filme foi isso pra mim.
Você tinha em mãos um protagonista difícil de cair no gosto do público. Afinal, é um homem que comemora quando descobre que o filho pode morrer cedo. Ele trai a mulher, perde o filho da rua. Como foi para você, enquanto diretor, trabalhar com esse personagem e ainda sim aproximar ele do espectador?
Ter o Marcos Veras como protagonista ajuda muito, porque não tem como achar o Veras um escroto (risos). Ele é um cara legal, então isso que estou dizendo de uma forma engraçada, na realidade, quando fomos escolher o ator, conversamos muito sobre qual lado iríamos. Ou seja, vamos pegar um ator mais soturno, mais sombrio, ou vamos com um cara solar, que realmente vai contrastar com o personagem? Escolhi esse segundo caminho, e o Veras apareceu na minha vida por intermédio de uma sobrinha minha, que é diretora de novela, e havia feito uma com ele, e me disse era o cara certo, que eu iria me surpreender com ele. A partir daí, tudo ficou mais fácil.
Até porque o Veras não é uma opção óbvia, certo? Difícil vê-lo fazendo um papel dramático. Foi preciso fazer um trabalho diferenciado com ele?
Na realidade a gente trabalhou antes do filme, em busca dessa transição. Na verdade, não chega a ser uma mudança de rumo – ele pode continuar fazendo comédia e drama ao mesmo tempo. Mas esse era o primeiro projeto dramático dele, e tinha, nas primeiras leituras, um registro acima do que a gente estava buscando. Ou seja, o que fizemos foi um trabalho que se faria com qualquer ator, que é de encontrar o tom do personagem, sabe? Brinco que as pessoas que fazem comédia, quando vão fazer o drama, viram automaticamente galãs. E a gente não queria um galã, queríamos um cara que a gente se identificasse, alguém comum. A Debora foi muito importante nesse processo, pois aí sim, se trata de uma atriz mais experiente, em todos os registros, e tê-la conosco o ajudou até a aumentar sua própria cobrança.
Como você se preparou para o desafio de adaptar para o cinema O Filho Eterno? Quais foram as tuas referências?
Olha, passei por um processo muito interessante. Comecei esse filme de um jeito, e saí dele completamente diferente. A própria presença do Pedro Vinícius, nosso ator mirim que faz o filho, e a forma como a gente lidava em volta dele, nos fez ver o mundo de outra forma. Achávamos que ia ser dificílimo, e no entanto… Tem um filme sobre esse assunto que me ajudou muito, se chama Café de Flore (2011), do mesmo diretor de C.R.A.Z.Y.: Loucos de Amor (2005). Depois que o assisti, pensei: “pô, vou ligar pra esse cara”. Porque existe essa colaboração, a gente se conhece por causa de festivais, e o meu representante nos EUA é o mesmo dele, então tinha esse link. Daí liguei e ele disse que eu ia ficar surpreso, porque, segundo ele, são as pessoas mais doces do mundo. E quando chegamos no set, surgiu esse moleque, o Pedro, que conquistou todo mundo. Foi incrível! Chegamos a acompanhar a gravidez de uma criança com Down, a mãe já sabia que o filho tinha Down, pra ele fazer parte do filme…
Imagino que a seleção dos meninos que interpretam o Fabrício, o tal filho eterno do título, tenha sido o processo mais delicado…
Mas sabe, que nem tanto? Lá em Curitiba, quando estávamos entrevistando candidatos, veio uma mulher com o filho que me contou a história do filho dela, que nasceu aparentemente normal. Porém, quase um ano depois, quando ela foi ao médico fazer um exame de rotina, a enfermeira perguntou: “nossa, que lindinho, como que você tá lidando com o negócio do Down?”. Ao que ela respondeu: “que negócio de Down?”. Aí a enfermeira chamou o médico, fizeram o exame e diagnosticaram que o menino tinha mesmo Down. A mãe só ficou sabendo quase um ano depois. Então, em 2016 ainda acontecem casos assim. Mas usamos esse recém nascido, depois fomos atrás de dois bebês pra quando ele tinha 8 meses, e depois para cada faixa etária. Foi um pouco complicado, é claro, mas a partir do momento que achamos o Pedro Vinícius, tudo ficou mais tranquilo. Afinal, ele era o Fabrício!
A trilha sonora é um elemento muito importante no filme. Houve alguma orientação especial aos compositores?
Gosto muito de música, e por isso discutimos muito como ela serviria ao filme. Achava que tinha que ter uma presença importante, mas também que não podia levar o cara pra emoção. A música tinha que vir atrás. Foi difícil, mas fiquei muito contente com o resultado. São dois compositores e irmãos, o Guilherme e o Gustavo Garbato, que fizeram O Silêncio do Céu (2016), o Alemão (2014), outros filmes da RT Features, e mandam muito bem. Acho que a música deles está ali de uma maneira elegante.
Na nossa outra conversa, falamos muito sobre Uma História de Futebol, mas não sei se te falei da minha percepção do Trinta, que pra mim foi um dos melhores filmes daquele ano. Hoje em dia fala-se muito sobre essa questão da crise do cinema e que nem as comédias estão dando aquele mesmo retorno de antes. O próprio Trinta me parece ser um filme que poderia ter rendido mais. Como você vê O Filho Eterno nessa questão com o público?
O Trinta foi muito decepcionante, preciso confessar. Porque foi considerado um filmão, todo mundo que viu nas pré-estreias, nos festivais, tinha adorado, e por isso gerou-se uma expectativa enorme com a distribuidora. Eu, por exemplo, tinha um número na minha cabeça, que era 100 mil espectadores. De repente, duas ou três semanas antes de estrear, a distribuidora falou que podíamos esperar 500 mil. Pensei comigo mesmo: “legal, estão acreditando no filme”! Só que entrou em cartaz em 120 salas, e na segunda semana tava em 7! Enfim, não acho que seja assim a melhor maneira. Não sei lançar filme, mas como um cineasta que quer que o seu filme chegue ao público, penso que você precisa ter uma garantia. Aconteça o que for na primeira semana, tem que ter mais tempo.
O Filho Eterno, no entanto, já chega com uma massa de fãs do livro, além de todos que também se identificam com o tema. Seriam esses elementos que podem garantir uma performance melhor?
Acho que sim, espero. Este é um livro muito querido, mas muito duro, também. As pessoas desta comunidade, a princípio, não gostam do livro, porque o escritor fala o que todo mundo pensa, mas não tem coragem de dizer. Com o tempo, no entanto, ele é digerido por essas pessoas e vai sendo melhor assimilado. Tomei um cuidado para que o filme não tivesse essa dureza.
Você falou, no começo dessa nossa conversa, que não queria regionalizar o filme. No entanto, ter filmado no Paraná, em Curitiba, dá um ar diferenciado ao filme?
Acho que dá, porque o filme vem com uma informação visual que a gente não tá acostumado a ver, já que a maioria dos filmes no Brasil são feitos no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Essa história poderia ser em qualquer lugar, é completamente universal, mas quis homenagear Curitiba, afinal, filmamos lá. Queria descentralizar, também por causa da informação. Estávamos nos anos 1980, e se essa família estivesse no Rio, era só ir no médico da esquina. São Paulo também ficava muito fácil. Então, quis sair desse centro. Foi, portanto, uma opção também de narrativa. E vem de encontro com a delicadeza que esse filme tem, algo que, acredito, vai agradar as pessoas.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro em outubro de 2016)
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