Híbridos: Os Espíritos do Brasil é uma investigação poético-etnográfica levada a cabo pelos cineastas franceses Vincent Moon e Priscilla Telmon, que há cerca de três anos moram no Brasil. Parte de um projeto maior – que conta com website e outras plataformas – o longa-metragem é fruto de uma extensa pesquisa dos realizadores sobre a cultura espiritual e a música sagrada do país. Em meio aos diversos eventos de lançamento do filme prestes a desembarcar no circuito comercial, Vincent e Priscilla nos atenderam para esta conversa por telefone, na qual tivemos a oportunidade de esmiuçar as motivações de ambos à empreitada hercúlea de traçar esse panorama cultural/religioso brasileiro no contato com as múltiplas manifestações que visam alcançar, de alguma maneira, a transcendência. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo, com os realizadores de Híbridos: Os Espíritos do Brasil.
O que os atraiu na temática das culturas espirituais brasileiras. Foi o nosso sincretismo singular?
Vincent Moon: Já fazíamos muita pesquisa sobre música sagrada ao redor do mundo, participando de diversos rituais durante as nossas viagens. Tivemos o desejo de realizar um projeto maior, com mais tempo em determinado lugar, no qual mergulhássemos profundamente na cultura. Nossa intenção era evidenciar a espiritualidade, colocar novamente esse tema nas conversas atuais. O que está acontecendo no mundo, as crises ecológicas, estruturais, enfim, de muitas dimensões, tem a ver com uma crise de consciência, exatamente com a falta de espiritualidade e a perda da ligação com o invisível. O renascimento de uma pesquisa na área é algo bem importante, a ser celebrado. Nossa vontade de fazer arte, mais especificamente cinema, tem tudo a ver com a espiritualidade. Decidimos efetivar esse projeto aqui, pois o Brasil é o país mais rico de caminhos espirituais, de doutrinas, muito além de qualquer outra parte do mundo. Queríamos trabalhar aqui por um ou dois anos, mas cá estamos há quatro (risos).
A câmera transparece uma fascinação pelos rituais. Era essa, mesmo, a sensação de vocês diante dessas liturgias?
Priscilla Telmon: Não sei se é propriamente uma fascinação. Diria que é mais uma celebração. Não há um rito mais importante que o outro. O catolicismo popular, os rituais indígenas e afro-brasileiros, todos nos são igualmente relevantes. Esse é o caminho das pessoas que pesquisam o invisível, a diversidade, já que todas as estradas apontam à mesma direção. A ideia do filme, que faz parte de um projeto bem maior, como você deve saber, é a de que todas as formas se complementam. O documentário proporciona essa experiência, por conta da tela grande, do som, enfim, do ambiente da sala de cinema. Não somos os mesmos espectadores diante de uma telinha de computador. O comportamento da câmera vai ao encontro da necessidade de oferecer possibilidades de vivenciar os rituais. Queremos filmar ainda muito mais material. É quase um projeto de vida (risos).
Vocês dão muito destaque ao movimento das mãos. Foi intencional. Se sim, por quê?
Vincent: Resolvemos não ter pré-conceitos, partir de poucas ideias. Para a gente era importante estar aberto aos momentos, aos canais e aos imprevistos. Não ter noção do que vai acontecer foi vital. Claro que há uma intencionalidade de filmar os corpos de perto, de focar, por exemplo, nas mãos, mas o que realmente está acontecendo, como um todo, é o importante. Tentamos interagir com as pessoas. Temos amor por esses corpos brasileiros, pelos corpos híbridos, e, claro, por movimentos. Há a intenção de concentrar nisso, mas sem ser tão preciso, para alcançar um cinema totalmente improvisado. Improvisar é estar livre, com o coração aberto para o que pode acontecer. O cinema atualmente tem uma série de preconceitos.
Priscilla: O filme é um ritual. Tudo faz sentido na unidade, as mãos são como fios condutores, que passam adiante as cerimônias, se configuram em ligação, na prova de que estamos juntos. Todo dia há notícias ruins no rádio, na TV, mas resolvemos mostrar a possibilidade de harmonia. Com certeza o Brasil tem problemas, sabemos do lugar de fala, mas precisamos dialogar. Foi impossível colocar uma voz narrando, pois ela seria superficial sobre algo que é tão complexo. Cada pessoa tem seu próprio caminho de fé, e queríamos que esse filme fosse quase uma meditação.
Pensando em circuito comercial, como vocês acham que o público se conectará com o Híbridos?
Vincent: Até agora tivemos um feedback incrível, muito além do que esperávamos, levando em consideração que estamos fazendo um cinema radical, sem qualquer concessão. Entretanto, um cinema que não é intelectual, pois muito simples. Talvez ele repercutirá mais do que previmos inicialmente.
Priscilla: Recebemos um presente imenso recentemente. Professores nos mandaram e-mail agradecendo, relatando que utilizam o material do site para fins pedagógicos. Se podemos, com o projeto, expor essa harmonia do Brasil, fazer com que o povo fique orgulhoso, que deixe de pensar ser melhor fora daqui, está ótimo. Nesse país tudo é um paraíso. Há problemas, claro, mas também diversas possibilidades de tornar a nação melhor.
Há diferenças consideráveis nas percepções brasileiras e estrangeiras sobre Híbridos?
Vincent: Nosso desejo de fazer cinema tem a ver com possibilitar uma viagem a qualquer um. O espectador vai completar a experiência do filme. Quando o exibimos fora, as pessoas não têm as informações sobre Iemanjá, Círio de Nazaré, por exemplo. Para mim, porém, isso não é tão importante. Achamos realmente que não deveríamos colocar explicações no longa. Claro que isso corta um pouco o potencial comercial dele, mas como não é nosso desejo entrar em qualquer operação comercial, tratar o cinema como mercado, então isso não é um problema.
Priscilla: Temos um distribuidor na França, e já recebemos contato de distribuidores de fora. No momento, todavia, estamos concentrados em irradiar o projeto no Brasil.
(Entrevista feita por telefone, direto do Rio de Janeiro, em março de 2018)
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