Martin Hodara ainda não tem 50 anos, mas já deixou sua marca no cinema argentino. E muito se deve à parceria longeva que estabeleceu com o astro Ricardo Darín. Os dois trabalharam juntos pela primeira vez em El Faro (1998), de Eduardo Mignona – Darin no elenco, e Hodara como assistente de direção. Se reuniram novamente em Nove Rainhas (2000), em Aura (2005), e no noir O Sinal (2007), em que ambos dividiram a realização e a autoria do roteiro. Um resultado tão positivo que agora, ao retomar suas atividades por trás das câmeras em Neve Negra, voltou a convocar o amigo para o elenco, ao lado de Leonardo Sbaraglia, outro antigo parceiro. Aproveitando o lançamento deste novo trabalho, o cineasta esteve no Brasil e conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Olá, Martin. A tua parceria com Ricardo Darín vem de muito tempo, não? Como se dá o trabalho entre vocês?
É muito fácil trabalhar com Ricardo Darín. É engraçado, você fala o nome dele e parece que estamos nos referindo a uma entidade, a um símbolo do cinema argentino. E, para muita gente ao redor do mundo, ele é exatamente isso. No entanto, para mim, é alguém íntimo, um amigo, acima de qualquer coisa. Me sinto muito próximo dele, por tudo que já fizemos e construímos em todos esses anos. O melhor é que Ricardo é uma pessoa muito disposta, motivada, que demonstra interesse e quer sempre se envolver com cada novo trabalho.

 

A relação de você é de amizade, portanto?
Com certeza! Ele nunca está em cena apenas para cumprir tabela, se é que você me entende. Quando embarca em um projeto, é porque acredita e sabe que tem algo a oferecer. Por isso ele faz perguntas, quer saber tudo que lhe for possível sobre seus personagem, buscando enriquecer aquela experiência. É um artista muito curioso, e penso que isso é o melhor de trabalhar com ele. É um processo de muita confiança, em que dividimos tudo, ao mesmo tempo em que não nos perdemos em cada detalhe, há sempre um olhar no conjunto. Ele é um profissional muito conciso, que vai direto ao ponto, e o importante é que faz isso pensando em colaborar com o todo, e não apenas no que lhe diz respeito de imediato.

 

Neve Negra é teu primeiro trabalho como diretor solo. Antes, você e Darin dividiram os créditos da direção de O Sinal. É melhor tê-lo ao seu lado ou sob o seu comando?
O importante, para mim, é saber que posso contar com ele. Ele é o meu amuleto (risos). Sempre é bom tê-lo comigo, pois é alguém que colabora muito com a história. Além da intimidade que já criamos, então sei bem até onde podemos ir juntos em cada trama. Porém, em relação ao trabalho que tivemos antes em O Sinal e comparação com o Neve Negra, são duas formas bem diferentes de trabalhar.

 

Em que sentido, por exemplo, essas diferenças se manifestavam de forma mais forte?
Em tudo! Até porque agora eu tinha a decisão final, não é mesmo? Mas sempre dividimos tudo. Antes o projeto nasceu de uma conversar que tivemos, então desde a concepção até o filme estar finalizado foi tudo feito entre nós dois. Dessa vez não, eu queria contar essa história. Mas ele se demonstrou interessado desde o primeiro momento. Quando o abordei para falar o que estava pensando, ele foi desde o começo muito sério, me ouvindo, mas também com muitas perguntas. O foco sempre foi encontrar a melhor maneira de se contar essa história.

Laia Costa, Martin Hodara, Ricardo Darin e Leonardo Sbaraglia

Além de Darin, Neve Negra tem no elenco dois outros astros consagrados do cinema argentino: Leonardo Sbaraglia e Dolores Fonzi. Como foi reunir um time como esse?
Com Leonardo foi mais tranquilo, pois também já o conheço há bastante tempo. O chamei para uma conversa, falei o que tinha em mente e ele logo se mostrou interessado. E como o Ricardo já estava no projeto, e os dois são grandes amigos, tudo se encaixou. É engraçado que o Leo e o Ricardo já apareceram em vários filmes, como Relatos Selvagens (2014), porém nunca haviam contracenado numa mesma cena. Essa foi a primeira vez deles juntos!

 

E com a Dolores, que tem uma participação especial?
Dolores tem uma participação muito pequena, são apenas duas cenas, então foi uma sorte ter podido contar com ela. Ela é uma grande atriz. Sabe, a presença dela é mínima, porém fundamental para a história. O olhar dela carrega muito, você sabe. E acontece que não somos um país muito grande, então todo mundo se conhece. Assim, acontece que a Dolores é também muito amiga do Ricardo e do Leo, e com certeza foi pela amizade que ela tem por eles que aceitou o convite, mas também por gostar do personagem que estávamos lhe oferecendo. Foi um caso perfeito de uma grande atriz para um personagem menor, mas fundamental.

 

Como foram as filmagens? Onde foram feitas?
Pois então, é preciso que todo mundo acredite que estávamos na Patagônia, no sul da Argentina. Porém, na verdade, estávamos do outro lado do mundo, na Espanha! Acontece que filmamos em fevereiro, e nessa época do ano não se tem muita neve na Argentina, mesmo no sul do país. Então tivemos que improvisar. O filme tem muitos planos abertos, mas é no rosto de cada personagem que o drama se desenvolve. Então, acho que a nossa solução acabou funcionando.

 

Imagino que tenha sido tão difícil nos bastidores como aparenta ter sido para os personagens na ficção, não?
Preciso confessar que eu gosto do frio, então não sofri tanto quanto Leonardo, por exemplo, que reclamava todos os dias (risos). Ele vivia dizendo que era o último filme que fazia em um ambiente tão gelado, que se fosse obrigado a passar por isso mais uma vez acabaria nos matando! (risos) Mas estávamos preparado, ninguém foi pego de surpresa, né? Afinal, tudo estava descrito no roteiro. E todo filme é difícil, porém estávamos prontos, e todo mundo muito contente por estar ali, juntos, com o filme se tornando realidade! Era um grupo de amigos trabalhando juntos, e isso é o melhor dessa nossa louca profissão.

Martin Hodara no set de Neve Negra, com Leonardo Sbaraglia e Ricardo Darin

Neve Negra é um filme de gênero, um suspense que precisa manter o mistério até o último instante. Você é também autor do roteiro. Como é construir esse tipo de história?
Na verdade, foi muito difícil. O roteiro já estava pronto, estávamos filmando e eu ainda tinha dúvidas. Não seria melhor desse jeito, ou quem sabe daquele outro? Sabe aquela insegurança? Pois então, isso volta e meia aparecia. Tanto que filmamos cenas que acabaram não sendo aproveitadas, mas que para mim eram importantes, pois eram quase como uma rede de segurança, entende? Se eu mudasse de ideia, sabia qual outro caminho seguir.

 

Em que momento você teve certeza que tinha em mãos o filme que havia imaginado?
Me parece que terminamos o filme, mesmo, na sala de edição, que foi onde conseguimos, enfim, perceber de fato como funcionava o desenvolvimento da história. É difícil também pois não sabemos até onde irá o interesse do espectador, se ele está se dando conta ou não do que está acontecendo e, principalmente, do que ocorreu antes. Então, foi preciso um distanciamento, ouvir as opiniões uns dos outros e fazer muitos testes, até chegarmos ao formato que acreditávamos ser o melhor para a história.

 

Apesar de sermos vizinhos, ainda é rara a troca entre o cinema brasileiro e argentino. Leonardo Sbaraglia, no entanto, fez há pouco O Silêncio do Céu (2016), do paulista Marco Dutra. Você gostaria de trabalhar no Brasil ou com atores brasileiros? Quais, por exemplo?
Olha, para mim o importante é estar filmando. Eu quero é seguir fazendo cinema, mais do que qualquer outra coisa. Então, se for na Argentina, no Brasil ou onde quer que seja, essa não é a primeira das minhas preocupações, preciso confessar. Já filmei comerciais no Brasil, e sempre me dei muito bem por aqui. Seria um prazer voltar, com certeza. As equipes são ótimas por aqui, tenho muitos amigos, então é quase como estar em casa. Mas tudo parte da história que será contada. Se houver a necessidade de vir para o Brasil, ou para os Estados Unidos, ou Europa, e houver como, a gente vai. Cada novo filme é uma aventura, e é preciso estar aberto às possibilidades na maneira como elas se apresentam.

 

Ricardo Darín é quase uma instituição, sinônimo de cinema argentino. No entanto, em Neve Negra ele cria um personagem bem diferente dos seus maiores sucessos. Foi difícil convencê-lo?
Não, muito pelo contrário. Quando apresentei o roteiro para que ele lesse, foi sem indicação alguma. Era apenas o texto e os personagens. Foi ele, portanto, que escolheu o personagem do Salvador, aquele irmão afastado, que guarda algo muito sério dentro de si, um trauma que carrega por toda a vida. E, no meu íntimo, escrevi esse personagem pensando nele. Me pareceu interessante uma figura que só aparece depois de 15 minutos de filme, que chega silencioso, com poucas palavras. Era diferente do que vinha fazendo, e acho que foi justamente isso que lhe atraiu, por isso escolheu. Mas, repito, a decisão foi dele, e não minha.

Como foi a repercussão de Neve Negra quando foi exibido na Argentina e quais suas expectativas em relação a essa passagem pelo Brasil?
Na Argentina foi muito bem, com mais de 700 mil espectadores, o que é um número excelente para as produções locais. É o filme nacional mais visto por lá nos últimos meses. E as pessoas iam assistir, comentavam a respeito, recomendavam aos amigos. E não só entre o público, mas a crítica foi positiva também. Tivemos uma ótima recepção, muito afetuosa, que entendeu o que pretendíamos. Aqui no Brasil eu não sei como vai ser, mas espero que gostem, é claro. Acima de tudo, espero que assistam, que tirem suas próprias conclusões e passem bons momentos, que se envolvam com a história. E que indiquem aos amigos.

(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em 07 de junho de 2017)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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