Ele começou a atuar há quase trinta anos, e se no início chamava atenção pela beleza e porte de galã a ponto de fazer atrizes veteranas como Catherine Deneuve e Isabelle Huppert perderem a cabeça, aos poucos o astro francês Benoît Magimel foi mostrando que tinha mais a oferecer do que apenas prazer estético. Parcerias com cineastas respeitados como Michael Haneke, Mathieu Kassovitz, André Téchiné, Claude Chabrol e Guillaume Canet aos poucos foram lhe abrindo novos caminhos e oportunidades, garantindo respeito e admiração. Premiado como Melhor Ator no mais importante festival de cinema de todo o mundo – Cannes – ainda no início de sua carreira, neste ano ele voltou à Riviera francesa como um dos destaques do longa escolhido para a sessão de abertura do evento: De Cabeça Erguida, filme que estreia nessa semana nos cinemas brasileiros. Para saber um pouco mais sobre como foi sua experiência ao lado da diva Deneuve e das belas e talentosas Sara Forestier (as duas suas colegas de elenco) e Emmanuelle Bercot (diretora do projeto), confira a seguir essa conversa inédita e exclusiva com o ator:
Você entende a paciência, a abnegação, a perseverança do Yann, esse educador que você interpretou em De Cabeça Erguida?
Antes de qualquer coisa, eu o admiro! Quando estava lendo o roteiro, pensava: “mas não há nada a fazer, não há esperança!”. O filme mostra que sim, que não se deve desistir e que, mesmo se não funciona toda vez, vale a pena tentar só pelos casos em que pode dar certo… Para fazer esse trabalho de educador, você deve ter a cabeça no lugar. Deve ter um conhecimento do terreno, saber que os garotos são capazes de fazê-lo crer em qualquer coisa para obter um gesto de amor, e que não hesitam em brincar com seus sentimentos. No filme, Malony – o menino, interpretado pelo novato Rod Paradot – vai fazê-lo crer que está baixando a guarda. Só que, ao mesmo tempo, é impiedoso, sabe muito bem onde apertar para machucar e lançar um “você nem é capaz de ter um filho!”. Contudo, assim que nos interessamos por eles, oferecem muito carinho, pois têm uma enorme necessidade de afeição. No fundo, é só isso… Emmanuelle Bercot (a diretora) me fez encontrar um educador. Só dá para sentir admiração. O filme mostra que vale a pena insistir. Mesmo por um garoto em 10 ou 20! É difícil falar disso apenas como ator, com um olhar distante do papel, pois ao falar desse filme – e isso faz parte da sua força – também temos vontade de debater sobre o assunto…
O que mais lhe comove no personagem do Yann?
Às vezes ele está à beira de desistir, tem dúvidas de conseguir. “Estou cansado”, deixa escapar uma hora. Dá para entender. Ao mesmo tempo, ele não se engana. É um antigo delinquente, viveu o que o garoto está passando agora. Ele sabe como é. No início, não há uma empatia natural particular por Malony, sobretudo, não há miserabilismo, pena. Eu fiz assim no início do filme, como se essa miséria não o atingisse. Ele fica observando e, quando deve pressionar, é duro como imagina que deve ser. E uma hora acontece algo entre ele e esse garoto que muda tudo. Ele fica perturbado. E começa a se questionar. O personagem se reforça, se torna ainda mais interessante a fazer… É um cara corajoso e um homem ferido ao mesmo tempo.
As cenas em que o sentimos mais desarmado são fortes. Isso faz referência à própria história dele, reforçando sua intensidade e sua humanidade…
Essa é justamente a força do roteiro e do cinema da Emmanuelle. Sua verdade. Realmente acredito que não dá para fazer esse tipo de trabalho sem ter suas próprias falhas, carências, feridas, ou uma história pessoal que dê um sentido a esse desejo de curar, tratar, ajudar… Não posso deixar de pensar também na solidão deles. O que há por trás dos educadores quando estão tendo dúvidas, hesitando? Quem dá apoio a um juiz da infância que tem cada vez mais dificuldades em realizar sua missão? O que acontece quando estão diante de procuradores, de um aparelho judiciário equívoco? Felizmente, são pessoas entusiasmadas… A força do filme é evocar isso tudo ao mesmo tempo, evocá-los, falar sobre as dificuldades e a dedicação deles…
Foi o personagem do Yann que lhe deu vontade de fazer o filme?
Foi sobretudo a Emmanuelle! Seu desejo era maior do que o resto, até do que o roteiro. Fora que também tinha muita vontade de trabalhar com ela. Pois é uma mulher – e gosto de trabalhar com diretoras. E ela também é atriz – e é muito atrativo ser dirigido por outro ator… Sei que ela hesitou, pois me pediu para fazer testes com Rod, o que aceitei sem problema. Sou grato a ela por ter confiado em mim. Esses testes foram extremamente positivos. Logo vi que Rod tinha algo. Eu o forcei em sua solidão, e cheguei a vê-lo desabar. Vi que tinha falhas e que ia poder usá-las para atuar. Nem sempre era fácil para ele encenar – ao mesmo tempo, quando o vemos na cena de confronto com seu primeiro educador, ficamos chocados! Até eu, com minha vivência, me surpreendi! Não se deve achar que por ser um garoto de conjunto habitacional, Rod fez seu próprio personagem. Ele fez um verdadeiro trabalho com Emmanuelle. Ela o supervisionou, não o protegeu, mas fez com ele o que fez com cada um de nós: tirou o melhor.
O que foi mais difícil para você?
A linguagem técnica, os termos jurídicos em alguns diálogos… Mas quando trabalhamos com alguém que confia em nós, que está realmente ao seu lado, nenhuma dificuldade é insuperável. Fiquei impressionado com a forma como Emmanuelle soube tirar o melhor de nós. Ela é muito intuitiva e vai buscar dentro de cada um o que pode alimentar nossos personagens. O sobrenome do Yann é Le Vigan. É um acaso? Emmanuelle não me disse. Não acredito em acaso. Mas sempre disse a ela que era fã de Robert Le Vigan. Isso não deve ter escapado a ela. Mas não para aí… Quando assisti ao filme, há até uma cena em que tive a sensação, a meu ver, filmado como ela me filmou, de ver… Le Vigan em A Bandeira (1935)! Havia algo de febril que ela soube ver, encontrar, provocar… Também vejo isso no personagem da juíza e o que Emmanuelle pode ter colocado da Catherine…
Justamente, você encontra Catherine Deneuve, quase vinte anos após Os Ladrões (1996) de Téchiné…
Eu tinha uma cena bem curtinha com ela, e dava um fora nela balançando os ombros! Foi fácil: estava meio escondido por uma porta! Mas logo senti sua empatia. Estou muito feliz por ter tido a ocasião de trabalhar de novo com ela, descobri-la realmente neste filme. Humanamente, ela é formidável e é uma ótima parceira de cena. Ela deixa você à vontade, ajuda nos momentos em que você se perde. Gosto muito de todas as cenas que fizemos juntos, as trocas de olhares que dizem muito… Emmanuelle nos dizia que para Malony é como se a juíza fosse seu pai e o educador sua mãe. Isso caía muito bem nela. Deneuve é a chefa! [Risos]
E Emmanuelle Bercot, como você a definiria?
Emmanuelle é obstinada, tem convicções bem fortes, não desiste de nada. É exigente, não hesita em questionar sua sinceridade se sente que está meio errado, ao mesmo tempo, temos a sensação de ter muita abertura, muito espaço para atuar. Às vezes, também, basta se deixar levar. A cena no restaurante chinês com Rod, por exemplo, ela a compôs em função de nós, do momento. Nem tudo estava escrito. Não há nada fixo com Emmanuelle, o que é formidável. Ela sabe como chegar ao melhor de nós, busca ecos em cada um, e os usa – mas não como alguns diretores, de forma perversa, dando a impressão de que você é roubado. Não. Ela o faz com nosso acordo tácito, nossa cumplicidade, de tanto que nos sentimos confiantes. É simples, quando trabalhamos com Emmanuelle, nos sentimos levados. E ela é atriz, sabe o prazer que um ator pode ter ao atingir sua verdade, roçar em sua história, fora a maneira que tem de filmar. Como, por exemplo, com sua direção, apresenta o personagem de Sara Forestier: não a vemos, só ouvimos sua voz… Quase nos leva nas pontas dos pés começando com a imagem dessa criancinha. É magnífico! E Sara está incrível no filme. Tão entusiasmada, se apoderou do seu papel, sem falso pudor, com tanto domínio quanto abandono, com algo sensual também. Ela é forte! Devo dizer que Emmanuelle é uma pessoa que puxa você para cima. Sempre. Ela pode ter um jeito fechado, ríspido e, de repente, abrir um sorriso magnífico, quase infantil, e… é um sol! Eu a acho misteriosa também, quase inatingível. Gostaria de trabalhar de novo com ela para conhecê-la ainda melhor! Ah, ela tem muita energia, essa mulher! [Risos] Ela é minha estrela da sorte. Faz muito bem trabalhar assim. É raro. Acho que somos capazes de tudo com benevolência…
Inclusive, essa é a “moral” do filme…
É, com amor, com atenção, podemos fazer tudo…
(Entrevista inédita no Brasil e cedida com exclusividade ao Papo de Cinema pela Mares Filmes)
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