Crítica


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Sinopse

Valentin é um menino de 9 anos que vive com sua avó, já que seu pai vive ocupado trabalhando e sua mãe está desaparecida. Solitário, divide seu tempo sonhando se tornar um astronauta e ouvindo as histórias contadas pela avó. Seu grande sonho é que o pai o leve para conhecer a mãe, mas ele se irrita só de ouvir a simples menção do nome dela. Valentin passa a acreditar que possa ter, enfim, uma mãe quando conhece Leticia, a nova namorada do pai.

Crítica

Valentin (Rodrigo Noya) é um menino argentino de nove anos que sonha em ser astronauta, isso na Buenos Aires dos anos 1960. Ele mora com a avó (Carmen Maura), já que o pai está sempre tomado pelo trabalho e a mãe não é vista desde a separação traumática dos dois. Em seu quarto, Valentin brinca de ser um desbravador do espaço, talvez almejando algo que o leve para longe da Terra chata e sem graça, na qual nem mesmo suas contagens frequentes até 1000 servem para prenunciar o tão aguardado retorno da mãe. A avó, rígida e terna, faz o que pode para educar o menino, sua única companhia após a morte do marido. De quando em quando o pai visita ambos ou o tio traz notícias de longe, passagens breves que enquanto duram são só alegria, mas que quando acabam deixam um rastro de abandono pela casa antiga.

O protagonista de Valentin, filme dirigido por Alejandro Agresti, é uma faísca de esperança em meio a tantos adultos problemáticos, se contrapõe ao peso excessivo das rotinas de gente grande justamente porque à sua infância ainda é permitido ter esperança ou mesmo sonhar alto sem parecer alienado da realidade. De juventude contemporânea à morte de Che Guevara, ocasião histórica lembrada com pesar lá pelas tantas durante o sermão do padre, Valentin procura amenizar seus próprios problemas, sendo os principais deles a falta de uma referência masculina e a necessidade de carinho materno. Ele se coloca basicamente num meio termo entre as coisas boas esquecidas e as ruins excessivamente lembradas pelos adultos que o cercam. Enquanto criança, não entende os porquês de tanta discórdia, de tanta complicação, já que a pouca idade ainda lhe poupa dos calos que só vêm com o tempo.

Não parece aleatória a escolha de Alejandro Agresti pela ambiência nos difíceis anos 1960, período da contenção das revoluções, dos movimentos ditatoriais sul-americanos que abafaram a democracia, enfim, de anos de chumbo que só poderiam ser encarados com um pouco menos do que desespero por aliados, alheios ou crianças. Mas Valentin passa à margem daqueles filmes que essencialmente trazem o período nefasto filtrado por olhos infantis, uma vez que a questão política não é necessariamente condutora, se propondo mais a uma espécie de moldura quase translúcida e discreta. O que importa à trama é a vida corajosa que Valentin leva, sua simpatia e ânimo para vencer os infortúnios que batem prematuramente à porta. Além da inteligência precoce, Valentin demonstra com seus atos que um pouco de afeto talvez seja o antídoto necessário para combater os males diários, sejam eles quais forem.

Esse garoto que em princípio reproduz inocentemente o preconceito da família contra os judeus, com a mesma naturalidade com a qual abandona a discriminação ao entendê-la cruel – ou seja, passando da reprodução de uma herança familiar às próprias ideias –, se esforça em seu cotidiano para juntar aqueles que vagam sozinhos, seja ajudando o pai com a nova namorada – que ele quer por nova mãe – ou mesmo cultivando amizade sincera com o amigo pianista que após conhecê-lo diminuiu o álcool, até então seu único companheiro. O sonho do garoto de subir além do céu, a fim de tocar as estrelas, encobre um real desejo que nada tem de extraordinário. Valentin só quer ser como os outros e ter uma família para chamar de sua.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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