Crítica

Antes de chamar atenção de meia Hollywood em Cake: Uma Razão para Viver (2014), um dos seus primeiros papéis dramáticos – que lhe rendeu indicações ao Globo de Ouro, ao SAG Award e ao Critics Choice – Jennifer Aniston já havia dado sinal de que desejava se afastar das comédias fáceis em Sem Direito a Resgate, longa que 2013 que chega aos cinemas brasileiros com dois anos de atraso. O problema desta produção – que passou em branco nos cinemas dos Estados Unidos, tendo obtido o pior desempenho de um filme dela nas bilheterias em mais de quinze anos – foi justamente a maneira como foi vendido ao público. Ao insistirem em tratar como um pastelão no estilo daqueles em que o público estava acostumado a encontrar a atriz, afastaram o espectador dedicado que poderia ter descoberto aqui uma boa trama de humor negro e diferentes níveis de interpretação.

Com roteiro e direção de Daniel Schechter, cineasta acostumado com a cena independente norte-americana, Sem Direito a Resgate é o primeiro projeto dele envolvendo atores de maior renome. E se Aniston é o principal destaque feminino, o elenco conta ainda com o oscarizado Tim Robbins e os ótimos John Hawkes (indicado ao prêmio da Academia por Inverno da Alma, 2010) e Mos Def (que agora prefere ser chamado de Yasiin Bey), além de Will Forte (Nebraska, 2013) e Isla Fisher. A ex-Friends é casada com um empresário (Robbins) que está ganhando fortunas com um negócio imobiliário um tanto escuso. Para se aproveitar dessa bolada, dois malandros (Hawkes e Def) sequestram a mulher para obrigá-lo a pagar o resgate. O que nenhum dos envolvidos sabe é que ele possui uma amante (Fisher) e deseja mesmo se livrar da mãe do seu filho. E à medida que o plano deles começa a dar errado, precisarão pensar no que fazer para dar a volta por cima – agora contando com o apoio da esposa traída.

Se o enredo soa similar com algo visto antes, a impressão não está errada. Afinal, este projeto estava em desenvolvimento desde os anos 1980, quando Diane Keaton estava cotada para assinar como protagonista. O longa só não foi realizado naquela época por ser similar demais – ao menos em sua gênese – ao mais escrachado Por Favor, Matem a Minha Mulher (1986), sucesso de bilheteria estrelado por Bette Midler e Danny DeVito. No entanto, o diferencial de Sem Direito a Resgate está em sua fonte: afinal, trata-se de uma adaptação do romance “The Switch” – não confundir com Coincidências do Amor (2010), com Aniston e Jason Bateman, que tem o mesmo título original – de Elmore Leonard. O texto do autor de Irresistível Paixão (1998) e Jackie Brown (1997) é que faz toda a diferença. Cada frase possui sempre uma segunda intenção, e as reviravoltas da trama são fluidas e orgânicas, a ponto do espectador ficar atento e começar a torcer pelo que está por vir, ligado em cada desdobramento do argumento inicial.

Ainda que Tim Robbins tenha pouco a fazer e Isla Fisher praticamente repita a mesma personagem que viveu na nova versão de O Grande Gatsby (2013), Sem Direito a Resgate acaba se destacando mesmo pelas performances do seu trio central. Mos Def é um ator bastante sutil, que vai da ameaça ao cômico em questão de instantes, sempre com a mesma competência. Já Aniston e Hawkes revelam uma surpreendente química, e é bom vê-los juntos em cena. O tipo que ela defende poderia facilmente cair no clichê da rica mimada e infeliz, mas ela consegue dotá-la de uma profundidade inesperada. Já ele é o malandro ingênuo, mas com uma carta na manga de última hora que mostra que nem tudo é exatamente o que sua superfície sugere. E o final, por mais antecipado que possa parecer, funciona de forma eficiente. Um bom filme, que entrega mais do que promete e sem grandes alardes.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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