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Sinopse

O renomado coreógrafo e dançarino Benjamin Millepied busca meios para rejuvenescer o tradicional balé de Paris.

Crítica

Renomado coreógrafo, tendo sido primeiro-bailarino do New York City Ballet, o francês Benjamin Millepied teve seu nome projetado para além dessa esfera ao ser convidado por Darren Aronofsky para criar os números de dança de Cisne Negro (2010). A aclamação da empreitada cinematográfica, somada ao relacionamento iniciado com a atriz Natalie Portman durante as filmagens, garantiu a Millepied uma notoriedade mais abrangente que, para muitos, configurou um dos motivos principais de sua nomeação como diretor do prestigioso Balé da Ópera de Paris, em 2014. A montagem de seu primeiro espetáculo original, para a abertura da nova temporada dentro da mais antiga companhia nacional do meio, é o tema central de Reset: O Novo Balé da Ópera de Paris, dirigido por Thierry Demaizière e Alban Teurlai.

Com total acesso ao cotidiano íntimo de Millepied, recém-retornando à França após duas décadas nos EUA, os diretores mergulham nos meandros dos 39 dias de preparação para a estreia do espetáculo, intitulado “Clear, Loud, Bright, Forward”. Assim, acompanhamos todas as etapas da criação, desde o momento em que Millepied recebe a peça musical de 33 minutos de autoria do compositor Nico Muhly, passando pelos rascunhos dos movimentos, pela seleção dos bailarinos, concepção de figurinos e cenários etc. Mesclado a isso, a dupla segue também as atribuições burocráticas do cargo de Millepied, tendo sua assistente, a ex-bailarina Virginia Gris, como guia desses compromissos. Uma figura divertida e inquieta, sempre à procura do coreógrafo para mantê-lo a par de sua lotada agenda.

A mesma empatia que emana de Gris se estende ao protagonista, que demonstra enorme disposição e um genuíno desejo de renovação. Millepied busca a quebra de paradigmas dentro da instituição, tendo a manutenção do prazer do ato de dançar como preceito fundamental de sua gestão. Em seus depoimentos, ele revela a luta contra a hierarquização da companhia, visando também a suavização dos métodos de ensino extremamente rigorosos que, em suas palavras, transformam os bailarinos em “cópias robotizadas”. Além de incentivar a liberdade criativa, Millepied também se mostra preocupado com a integridade física dos alunos, revelando a intenção de contar com médicos especialistas acompanhando todos os ensaios/aulas. São diversos momentos de confidência, nos quais Millepied se mostra capaz de prender a atenção do público continuamente devido à eloquência de seu discurso.

Essa boa articulação contribui também para a imersão no processo criativo, alavancada pelo esmero estético do registro. Seja nos brainstormings solitários de Millepied com seus fones de ouvido, nos ensaios gerais ou na apresentação na noite de gala, a câmera de Teurlai, que assume a direção de fotografia, acompanha os movimentos dos corpos, emoldurados pelos belíssimos cenários do interior da Ópera parisiense, extraindo um inegável deleite visual de todas as sequências. O intenso apreço pela plasticidade, porém, se mostra um aspecto limitador, pois a concentração da narrativa nas imagens da dança e na montagem efetiva do espetáculo acaba diluindo o potencial evidente de outros tópicos relevantes, como o choque conceitual entre a modernidade proposta por Millepied e a tradição secular da companhia.

Pois o “Reset” do título faz referência justamente a uma ideia de reinício, de rejuvenescimento, algo explicitado quando Millepied convoca os jovens talentos do corpo de dança, e não os bailarinos principais, a estrelarem o espetáculo. Há um senso de transformação que passa tanto por questões materiais, como a troca do antigo piso de madeira, quanto pela mudança de pensamento, como a busca pela pluralidade racial ao ter a primeira bailarina mestiça como protagonista de um balé clássico. São as consequências desses temas mais complexos que se deixam entender como os motivos cruciais que levaram o coreógrafo a abandonar a função apenas quatro meses após a estreia de “Clear, Loud, Bright, Forward”, completando pouco mais de dois anos no cargo. No entanto, Demaizière e Teurlai não se aprofundam nessas implicações, abrandando todos os percalços do trajeto do coreógrafo.

Mesmo quando os funcionários da Ópera anunciam uma greve, quando uma bailarina informa sobre uma contusão de última hora, ou ainda na dificuldade da equipe técnica em construir um simples banco de madeira, fato que acaba sendo tratado como piada, os diretores evitam o conflito, fazendo com que todas essas situações percam em dramaticidade. Até mesmo a divisão da narrativa nos dias restantes até a estreia, numa contagem regressiva, termina por não inferir o peso e a tensão que deveria. Desta forma, o longa segue dentro de uma estabilidade distante dos riscos que Millepied parece tão disposto a correr. Além disso, a repetição das ações – os ensaios, as reuniões – tão cara aos dançarinos, surte um efeito que pouco agrega à obra cinematográfica. É verdade que Reset: O Novo Balé da Ópera de Paris nunca deixa de transmitir o sentimento de paixão pela dança ou de encantar pelos sentidos – do visual já comentado ao sonoro, cortesia tanto da peça composta por Muhly quanto da trilha original do documentário, de Pierre Aviat – contudo, ao concentrar toda a sua força numa única figura – os depoimentos de outros personagens, como alguns bailarinos, são apenas superficiais –, fica a sensação de que o longa perde a oportunidade de ser muito mais denso e revelador sobre o universo retratado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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