Crítica

Com seu primeiro longa-metragem, o ótimo Aliyah (2012), o cineasta francês Elie Wajeman despontou como um nome a ser acompanhado devido à segurança exemplar apresentada na condução de uma obra de teor social e político, mas ao mesmo tempo extremamente interessada nos aspectos humanos. Em Os Anarquistas, seu segundo trabalho, Wajeman não deixa de se preocupar com a construção das relações pessoais, mas opta por uma abordagem muito mais direta e focada na faceta histórico-política. O filme se passa em Paris, na virada do século XIX para o XX, onde o jovem sargento de polícia Jean Albertini (Tahar Rahim) aceita a missão de se infiltrar em um grupo de anarquistas, visando uma posterior promoção.

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Wajeman volta a demonstrar um excelente domínio cênico, ainda que num estilo bastante diferente do visto em sua estreia. A naturalidade e o aparente despojamento presentes em Aliyah dão lugar a uma mise-en-scène mais formal e rígida. A bela fotografia, com seus filtros azulados, e o cuidadoso trabalho de iluminação imprimem um ar sofisticado e elegante ao longa, transmitindo um certo tom solene – reforçado pela apresentação de imagens de arquivo de época nos créditos iniciais e finais – que de alguma maneira conflita com o teor supostamente anárquico da trama. Trama essa que se desenvolve de modo bastante esquemático, apresentando diversos arquétipos recorrentes nas histórias sobre policiais infiltrados.

Estão lá o líder relutante do grupo, Elisée (Swann Arlaud), que logo simpatiza com o protagonista infiltrado, seu desconfiado e enciumado braço direito, Eugène (Guillaume Gouix), o integrante boa-praça que serve de alívio cômico, Biscuit (Karim Leklou), e a bela namorada de Elisée, Judith (Adèle Exarchopoulos) com quem Jean terá um relacionamento proibido. O início é até promissor, mostrando o primeiro contato do personagem de Rahim com os anarquistas operários de uma fábrica, mas logo o desenvolvimento se apressa, fazendo com que o longa siga direto por um caminho sem maiores surpresas. Se o trabalho anterior de Wajeman exalava imprevisibilidade, Os Anarquistas entrega, ainda que de forma sólida e competente, uma proposta bem mais convencional.

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Existem elementos interessantes explorados pelo cineasta, como a dinâmica do grupo de revolucionários, que injeta mais vida à narrativa, especialmente em seus momentos mais descontraídos, como nos encontros no bar ou quando realizam o jogo de associação de palavras. Wajeman também volta a exibir habilidade na direção de atores, extraindo atuações convincentes de todo o seu ótimo elenco, com destaque para a química entre Tahar Rahim e a estonteante Adèle Exarchopoulos, que confirma seu talento. O interesse pelo fator humano é outra virtude, e se faz presente na proximidade com que o cineasta registra seus protagonistas, como o enquadramento fechado nos lábios hipnotizantes de Exarchopoulos durante uma cena de sexo, ou nos longos planos estáticos em que cada personagem é entrevistado por uma escritora, dona da casa que serve de base para o grupo. Cenas que funcionam como uma ferramenta expositiva para sentimentos e debates em relação à luta de classes.

De todas as figuras do longa, Jean é mesmo a mais rica, carregando uma dualidade que vai além do conflito entre o dever e seus sentimentos. A ausência do pai – que no passado se envolveu com a causa comunista – por exemplo, proporciona percepções distintas ao personagem, fazendo com que ele confronte seus próprios ideais pessoais e políticos. Estes elementos, porém, deixam de ser investigados com maior aprofundamento em função do olhar direcionado ao relacionamento amoroso entre Jean e Judith. Afinal, “não é pelo ódio, mas pelo amor que luto”, afirma a jovem quando é entrevistada na cena que abre o filme. É no amor que Wajeman sustenta seu longa, ou melhor, no romance. Pois até mesmo a visão sobre a luta revolucionária se mostra romanceada.

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Este romantismo permeia as cenas durante quase toda a projeção – no destino de Biscuit, nos beijos trocados por Jean e Judith durante os assaltos às mansões burguesas – mas sente-se a falta de paixão, do fogo que deve haver em uma relação de verdade, como diz Biscuit em um de seus diálogos. Isto faz com que a obra de Wajeman enfrente um dilema que reflete o mesmo encarado pelos anarquistas, divididos entre aqueles que preferem seguir sua luta através das palavras e aqueles que desejam partir para as últimas consequências, pegando em armas. O cineasta parece optar pela primeira opção, e assim deixa a sensação de não ter se entregado por completo à sua causa.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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