Crítica

Mesmo depois de encerrada, a Olimpíada do Rio de Janeiro continua sendo tema de discussões acaloradas por todo o país, seja pelo êxito do evento em seu âmbito esportivo/organizacional - como uma bela festa que mobilizou a população – ou pela dúvida em relação ao seu impacto posterior nos aspectos sociais e econômicos da cidade, o famigerado legado dos Jogos Olímpicos. O assunto, que não poderia ser mais atual e relevante dentro do panorama político do Brasil, é abordado pelo carioca Rodrigo Mac Niven em seu mais recente trabalho, Olympia 2016, que mantém a predileção pelas temáticas urgentes e polêmicas vista em seus documentários anteriores, como O Estopim (2014) – sobre o caso Amarildo - e Cortina de Fumaça (2011).

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Inspirado pelas investigações do jornalista Lúcio Vaz, autor dos livros A Ética da Malandragem e Sanguessugas do Brasil, Mac Niven iniciou o projeto em 2012, quando registrou os primeiros depoimentos durante o Congresso Internacional Anti-Corrupção, em Brasília. É a partir dessa conceituação mais ampla sobre o termo corrupção e a investigação de como ela está instaurada na sociedade brasileira que Olympia 2016 parte para os fatos envolvendo a realização dos Jogos no Rio. O longa, que teve sua produção viabilizada através de financiamento coletivo, busca fugir da linguagem documental convencional ao intercalá-la com uma linha narrativa ficcional que se desenvolve paralelamente. Nesse universo paralelo somos apresentados à cidade fictícia de Olympia, uma versão distópica do Rio de Janeiro, sede da próxima Olimpíada.

Essa porção ficcional da obra acompanha a história de um cineasta (vivido pelo próprio Mac Niven) que com a ajuda de sua parceira (Patricia Abelson) resolve documentar e levar ao público uma trama conspiratória - revelada por um advogado - que envolve os meandros ilegais da construção do campo de golfe para o Jogos. A divisão entre os segmentos narrativos é bem clara, com a parte documental sendo apresentada de modo direto e simples, mesclando imagens aéreas do cotidiano do Rio com interessantes depoimentos de figuras como o jornalista esportivo Juca Kfouri, o filósofo Vladimir Safatle, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, o economista norte-americano Andrew Zimbalist e o filósofo colombiano Bernardo Toro.

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Outro elemento que contribui para a identificação dos trechos documentais é o registro em preto e branco de sua quase totalidade. A exceção fica com aquela que talvez seja a melhor passagem do longa, que traz os relatos dos moradores da Vila Autódromo, comunidade localizada entre o Parque Olímpico e a Cidade do Rock – construída para o Rock in Rio. Esse momento, que dá voz à população local, serve como o melhor exemplo do absurdo que envolve os bastidores escusos da realização de grandes eventos, tratando da desapropriação ilegítima de famílias e do descaso de todas as esferas governamentais. Em contrapartida, a parcela ficcional do filme se vale de uma estilização estética carregada que, com seus enquadramentos, edição e trilha sonora exagerada, fica sempre um tom acima, esbarrando na afetação.

O cuidado visual é até admirável – tendo em vista o orçamento limitado – mas o excesso soa gratuito. Há a tentativa de criar uma complexa mitologia por trás de Olympia, exposta brevemente nas visões que surgem dentro dos sonhos dos personagens de Mac Niven e do advogado, ou no simbolismo da perda das asas dos habitantes da cidade – uma analogia não muito sutil à perda de direitos dos cidadãos. A ideia é a de que esse universo fantasioso tenha continuidade e seja explorado em outras mídias - como uma graphic novel – mas, na tela, a sensação transmitida é de incompletude conceitual. Algumas sequências - como aquela que abre o filme mostrando uma posseira sendo perseguida por um grileiro - exprimem esse atraente apelo de linguagem pop, mas terminam deslocadas do conjunto.

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Mac Niven também busca imprimir uma atmosfera de suspense à investigação que nunca se instaura com a força pretendida. Já os dramas pessoais – como o da parceira do cineasta – não possuem tempo suficiente para serem plenamente desenvolvidos. Até mesmo o potencial metafórico da história acaba perdendo o impacto, pois a relação entre Olympia e Rio é direta demais para que ele se concretize. O mesmo vale para a frontalidade das alegorias, que visam transmitir uma carga irônica, mas terminam em lugares-comuns – vide todo o discurso final. Assim, mesmo que a intenção de se diferenciar seja válida, a inserção do segmento de ficção não só não se sustenta de modo independente, como também não eleva a pujança do lado documental. Pelo contrário, as idas e vindas das linhas narrativas prejudicam o ritmo. Em um momento autobiográfico do longa, o personagem do cineasta é questionado sobre abandonar os documentários e se dedicar à ficção. Ao ver o resultado de Olympia 2016, parece claro que Mac Niven deveria ter feito uma opção por um direcionamento focado e dado mais espaço para que os fatos falassem por si. De qualquer forma, existe uma parcela do filme rica em conteúdo, capaz gerar um debate significativo sobre um tema pulsante da atualidade do país e que se deixa transparecer mesmo em meio aos ruídos na forma como é comunicado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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