Crítica

O que se move. O que nos move. O que nos leva adiante. De onde vem a força que nos faz prosseguir quando mais nada resta? Como dar o próximo passo quando tudo ficou para trás e do futuro só é possível esperar sofrimento e compreensão, resignação e entendimento? Estas são as principais questões levantadas em O que se move, longa de estreia do jovem Caetano Gotardo. Tudo bem que ele não é nenhum novato – seu primeiro curta-metragem, Areia (2008), foi premiado no Festival de Gramado, além de ter sido editor do curta Um Ramo (2007) e do longa Trabalhar Cansa (2011), ambos exibidos no Festival de Cannes. Mas a maturidade que ele atinge e explora neste seu projeto mais ambicioso – ao menos até então – por trás das câmeras é simplesmente fenomenal. Qualquer desavisado tomaria por um trabalho de veterano. Mas o que vemos é que não foi preciso tanta experiência quando o que se fala é com o coração.

Em O que se move temos três histórias, sobre três famílias, com três mulheres como protagonistas. Em comum, todas enfrentam a dor. A dor da perda, do reencontro, da decepção, da desilusão, do abandono, da ignorância, do acaso, do esquecimento. Um sentimento tão sofrido que somente o destino poderia impor algo igual a cada uma delas. São tramas simples, interpretadas por atores pouco conhecidos, o que facilita a confusão do espectador com os personagens que defendem. E quando nos deparamos com a tragédia que surge imperativa em cada uma destas vidas, a surpresa será tão grande para nós quanto para eles, aqueles elaborados apenas para viverem aquele medo e aquela dor. Para nos livrar daquela dor. Como se fosse possível espiar tamanho sofrimento caso tivéssemos a desventura de, um dia, nos encontrarmos na mesma situação. E por isso o choro e o desabafo são tanto de identificação quanto de alívio.

O ponto de vista, aqui, é o feminino. Assume-se o lugar da mãe, daquela que comanda a casa e que deveria ter a solução para tudo. Menos quando não se tem o que fazer. Primeiro há uma família aparentemente feliz: mãe, pai, filho e filha. Tudo vai bem, até o dia em que a polícia bate à porta. O que de tão terrível acontecia à noite no computador daquela casa? Depois há o jovem casal, com seu bebê pequeno. Um dia a rotina muda, ao invés dela deixar a filha na creche, ele assume a função. E se o tempo passa, os compromissos profissionais se acumulam, tudo se torna muito rápido. Quando se vê, já é tarde demais. Por fim temos aqueles pais que perderam o filho ainda pequeno, recém nascido, sequestrado na maternidade. Quase vinte anos depois há o reencontro. Mas aquele jovem conseguirá corresponder a estas duas décadas de expectativas?

O filme é inspirado em fatos reais, noticiados pelos jornais no início dos anos 2000. Se os personagens de cada trama não se comunicam com a seguinte, o que oferece unidade ao projeto é o sentimento em comum que o perpetua. Além do efeito dilacerante, há também, pontuando o encerramento de cada episódio, o momento de escape e fuga. E quando a mãe, sem conseguir mais se segurar, solta a voz e começa a cantar. Um canto difícil, amargo, mas necessário. Neste momento, O que se move se aproxima de outra obra devastadoramente bela, o intenso Dançando no Escuro (2000), de Lars von Trier e estrelado por Björk e Catherine Deneuve. Nos dois casos, a música surge como uma possibilidade, ainda que remota, de melhora. De respiro. Pois todo mundo precisa respirar. Mesmo quando não há mais nada a ser feito.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *