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Sinopse

Connie, a filha de Don Corleone, está se casando. Como um senhor feudal, ele recebe os cumprimentos e promessas de lealdade dos parentes e clientes. Os outros filhos estão presentes: o sangue quente Sony, o mais velho que irá substitui-lo, e Fredo, que não se adequa aos negócios da família. O preferido é o mais novo, Michael, que voltou como herói da II Guerra Mundial e não tem nenhum envolvimento com a máfia. Porém, devido à incapacidade do pai, se vê forçado a assumir a liderança da família, contrariando o que o pai queria para seu futuro.

Crítica

Existe uma regra não oficial que conduz nossa percepção sobre as coisas que nos cercam: não crie expectativas. Assim você não se frustra caso essa circunstância que insiste em idealizar não aconteça. Essa foi a premissa que guiou os executivos da Paramount no fim dos longínquos anos 1960 quando entregaram a direção de O Poderoso Chefão ao iniciante Francis Ford Coppola. Entretanto, mesmo com toda a desconfiança dos homens do dinheiro, da falta de compromisso dos técnicos no início das filmagens e das dificuldades de orçamento, Coppola não só fez com que aquela regra caísse por terra, como extrapolou tudo que poderia se esperar de sua obra. Hoje, mais de quarenta anos depois de seu lançamento, a adaptação do romance de Mario Puzo se tornou muito mais do que um excelente filme; se transformou em uma genial produção que marcou e revolucionou a história do cinema.

A trama você conhece. Ela narra a saga da família mafiosa Corleone, que controla os negócios ilegais na cidade de Nova York nos anos 1940 e 1950, capitaneada pelo prestigioso Don Vito Corleone (o assombrosamente genial Marlon Brando), em seus embates contra outras famílias. Para tanto conta com o auxílio de seus generais e consigliere (Robert Duvall). Através de seus filhos, Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Connie (Talia Shire) e Michael (Al Pacino), Don procura não apenas expandir e perpetuar seu bem sucedido negócio, mas preservar a unidade familiar e redimir seu nome ante aos fatos que mancharam sua história como homem. Essa decisão moral – no caso, a recusa de participar do início do tráfego de heroína na cidade – desencadeia os fatos que conduziriam os mais de 150 minutos de duração da trama e colocariam o filho que, até então, menos se enquadra no perfil mafioso, Michael, no processo de transformação que culminaria na herança do título do pai.

O filme é, sim, sobre a máfia italiana, sobre as nuances que compunham a sociedade nova-iorquina naquele período histórico, mas, antes disso, é sobre relações e compromissos familiares. “Um homem que não se dedica a família nunca será um homem de verdade”, diz Don Corleone, ainda no início da história. Essa frase sintetiza o que O Poderoso Chefão é: o processo de transformação de um filho em um pai. Depois do atentado que Don Vito sofre, vemos Michael, o caçula, herói de guerra, favorecido pelo pai, preterido pelos irmãos e o único que não se envolvia nos “negócios” da família, assumindo a responsabilidade que lhe cabe. Mais do que vingar a figura paterna, Michael dá o pontapé inicial na jornada que lhe tornaria o líder da família. Em uma clara referência a história do patriarca bíblico José, Michael enfrenta o martírio da distância ao se esconder na Sicília – o que nos dá algumas das sequências mais lindas do longa – enquanto amadurece e vê nas circunstâncias que acontecem em Nova York a necessidade de sacrificar suas vontades para preservar sua família. O pai se torna o filho, o filho se torna o pai; como bem disse Marlon Brando em um de seus filmes alguns anos depois.

O roteiro de Coppola, em conjunto com Mario Puzo, é coeso e perfeitamente amarrado, apesar do desafio dos saltos temporais; oferece uma saborosa história, repleta de deslumbrantes interpretações e afiados diálogos. O que falar de Marlon Brando e Al Pacino? Como pai e filho, patrão e empregado, Don e consigliere, a dinâmica da relação funciona em espantosa sintonia. Individualmente, seus personagens, principalmente o do patriarca, sobressaíram às telas e se transformaram em figuras míticas da cultura pop. Quem nunca repetiu os discursos ou imitou a voz e postura de Don Corleone? Essa bela afinidade rendeu o – justíssimo! – Oscar de Melhor Ator a Brando e uma indicação de Melhor Ator Coadjuvante a Pacino.

A direção de Coppola é consistente e sensível; conduz  a tensão da história de uma forma tão bela que foge completamente do vulgar choque proposto por esse tipo de filme. Por assumidamente não gostar de violência e a trama se tratar, ao menos a primeira vista, sobre gângsteres, Coppola redireciona o foco do espectador nos momentos de assassinatos, os distraindo com sutis elementos – uma laranja que rola durante um tiroteio, por exemplo – que, no final, compõem a genial pintura daquele violento ambiente. Da mesma forma, a fotografia de Gordon Willis auxilia diretamente o cineasta em sua ânsia de tornar bela aquela estrutura de medo. A luz sempre vinda de cima destaca os traços nos rostos dos atores, realçando ainda mais a ameaça e mistério por trás de cada personagem, colaborando de forma decisiva para a compreensão da dualidade daquelas pessoas. O contraste de claro e escuro ressalta o paradoxo que há entre o mafioso e o pai de família; o fora da lei que chantageia e amedronta e o homem que em casa ama e se sacrifica. A cereja do bolo dessa peça de belo pânico, sem sombra de dúvidas, é a inconfundível música-tema criada por Nino Rota. Quando ela toca, é impossível não surgir um temor quase sacro na audiência; afinal, ela sabe que em momentos estará na presença de Don Corleone.

Existem obras nos mais variados campos da arte que ilustram perfeitamente as relações interpessoais, ao qual todos deveriam ter acesso: na pintura, o expressionismo de Van Gogh e Munch; na literatura, Shakespeare e Dostoiévski; na música, Tchaikovsky e Beethoven. No cinema, O Poderoso Chefão é um dos – senão, O – melhores exemplos desse limitadíssimo hall. O filme de Francis Ford Coppola é um épico que se tornou indispensável a cinéfilos, aos apreciadores não tão aficionados e a qualquer pessoa que tenha o mínimo de interesse por arte.

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Eduardo Dorneles é estudante de letras, amante de cinema, literatura, HQs e mantém um blog de crônicas e contos (edorneles.blogspot.com) .
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