Crítica

O cineasta brasileiro Walter Lima Jr. mostrou desde o início de sua carreira que era um profissional a ser observado. Estreando como diretor assistente para Glauber Rocha no clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Lima Jr. emendou este trabalho com sua estreia como diretor, em 1965, lançando Menino de Engenho, baseado na obra de José Lins do Rego. Glauber aqui presta serviço como produtor, com o então novato cineasta comandando o show, também assinando o roteiro. E o resultado é digno de nota, ainda que o filme se ressinta do tempo curto para abarcar com profundidade algumas temáticas do romance.

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A trama se passa em 1920, na Paraíba. O jovem Carlinhos (Sávio Rolim) é levado por seu tio Juca (Geraldo Del Rey) para o engenho do avô materno, José Paulino (Rodolfo Arena). As circunstâncias não são as mais positivas. Carlinhos presenciou a morte da mãe pelas mãos do pai. Este episódio deixa marcas profundas no garoto, que sempre sofre ao ouvir o nome da mãe – principalmente pelo fato de seus traços lembrarem os dela. Sendo acolhido com calor pela tia Maria (Anecy Rocha) e pelos demais residentes do casarão, Carlinhos crescerá em um ambiente cheio de mudanças, um retrato das suas próprias transformações internas.

Tomando emprestadas algumas características do Expressionismo Alemão, Walter Lima Jr. abre seu longa-metragem sem uso de diálogos. A cena da morte da mãe e do menino tomando o baque daquele momento é toda construída com imagens que capturam os sentimentos daquele personagem. Vemos o rosto do menino confuso, sua mão arranhando a parede da casa, o sangue no chão que é limpo com dificuldade. Em pequenas cenas, com o uso preciso das sombras e de um belo preto e branco, o diretor vai construindo a ambiência opressora daquela casa, palco de um crime hediondo. É ainda mais notável a construção deste local lúgubre quando nos deparamos com o casarão de José Paulino, fotografado de forma completamente diferente pelo diretor. Não estamos mais em um cenário hostil, mas em uma casa onde Carlinhos pode se desenvolver. Os espaços abertos e a curiosidade do menino em conhecer o que o engenho tem a oferecer denotam uma mudança de ares importante.

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Como era de costume à época, o som foi produzido em pós-produção, o que pode incomodar os ouvidos atuais. Os diálogos são todos dublados e, em alguns momentos, de forma pouco convincente. De qualquer forma, para um filme que já completa 50 anos, a qualidade dos efeitos sonoros e da própria voz dos atores é digna de nota. O pecado da dublagem recai mais na falta de sincronia das falas com a boca dos atores.

Problema recorrente em adaptações de obras literárias para o cinema é a vontade de abarcar todo o possível em uma mídia que simplesmente não comporta o tamanho de um romance. Walter Lima Jr. faz o que pode para trazer aos espectadores momentos importantes da obra de José Lins do Rêgo, mas, com isso, acaba transformando seu longa-metragem em algo episódico. Os acontecimentos se dão de forma rápida e logo são esquecidos para que o próximo ponto do livro possa ganhar lugar. Talvez fosse necessário um maior entendimento de que a impossibilidade de contar todos os pequenos detalhes do livro geram, na verdade, liberdade em se afastar um tanto do material original e usar o sumo para construir seu próprio filme.

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Mesmo com alguns problemas aqui e ali, Menino de Engenho se mostra uma obra de estreia de fôlego, com boas ideias estilísticas e andamento consistente. Walter Lima Jr. ganhou menção honrosa no Festival de Brasília por este trabalho e, logo em seu próximo filme, Brasil Ano 2000 (1969), concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlim. Estes foram apenas alguns dos louros e destaques de uma carreira no cinema que completa mais de 50 anos e que, de forma correta, ganhou reverência no Festival do Rio 2015.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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