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Sinopse

Os marcianos invadem nosso planeta, matando e destruindo tudo no caminho, pois acham bem divertido e querem transformar a Terra em um "parque de diversões". Se ninguém achar uma maneira de detê-los, a raça humana está condenada ao extermínio.

Crítica

Na metade dos anos 1990, Tim Burton era um cineasta sem rumo. Após atingir os céus com o primeiro Batman (1989) – incrível sucesso que determinou as linhas gerais de toda uma geração de filmes sobre super-heróis – ele experimentou dois relativos tropeços: a continuação Batman: O Retorno (1992), chamado por alguns como “o mais caro filme de arte jamais feito”, um projeto extremamente pessoal que, ainda que não tenha dado prejuízo, frustrou as expectativas de muita gente, e o autoral Ed Wood (1994), sua cinebiografia dos sonhos sobre o pior cineasta de todos os tempos que registra, até hoje, a pior bilheteria de toda a sua carreira (pouco mais de meros US$ 5 milhões nos EUA). Indeciso sobre qual rumo tomar, decidiu apenas se divertir. E o resultado é Marte Ataca!, uma experiência tão anárquica quanto surreal, que por mais anacrônica que possa parecer carrega impressa a marca do realizador durante toda a sua narrativa.

Forçado pela Warner a abandonar a franquia Batman, Tim Burton resignou-se em apenas produzir o terceiro episódio, Batman Eternamente (1995), que teve direção de Joel Schumacher, um profissional chegado no carnavalesco. Ainda que tenha se envolvido pouco criativamente neste projeto, Burton deve ter se afeiçoado um pouco com todas as cores aqui expostas, a ponto de levá-las para um trabalho de sua autoria. A solução veio do parceiro Jonathan Gems, roteirista que já havia escrito quatro sugestões para o amigo (entre elas uma sequência de Os Fantasmas se Divertem, 1988, ambientada no Havaí), sem que nunca uma dessas ideias tivesse saído do papel até então. Sua inspiração veio de uma série de cards colecionáveis lançados em 1962 pela editora Topps. Os desenhos, no entanto, eram tão ousados e à frente do seu tempo que obtiveram alto grau de rejeição do público, tendo sido recolhidos logo em seguida. Com o passar dos anos, ganharam status de raridades. Objetos de culto, tal qual o perfil do responsável por Edward Mãos de Tesoura (1990).

Na verdade, a Topps lançou duas séries, intituladas Dinossauros Atacam! e Marte Ataca!. Ao se depararem com ambas possibilidades, a primeira logo foi descartada – afinal, poucos anos antes Spielberg havia invadido as bilheterias de todo o mundo com o seu Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993), e Burton não queria soar como imitador – como se isso fosse possível. A ironia foi que, ao optar pelo segundo argumento, ele acabou batendo de frente com Independence Day (1996), de Roland Emmerich e lançado nos cinemas poucos meses antes. Ainda que ambos sejam sobre invasões extraterrestres na Terra e como os humanos se articulam para defender seu planeta, um filme não poderia ser mais diferente do outro. Enquanto que o primeiro é convencional, patriota ao extremo, moralmente correto e desprovido de qualquer tipo de profundidade, o segundo é literalmente insano, inesperado do início ao fim e dotado de tantas camadas de leitura que somente os mais desatentos não conseguirão ir além da superfície.

Marte Ataca! é exatamente o que o título promete: um ataque de marcianos à Terra. A sequência de abertura já provoca: uma manada de vacas corre desorientada em chamas. Quem as observa, no entanto, não são os americanos típicos do meio oeste, e sim uma família de orientais. O que mais poderia vir a seguir? Assumindo ele próprio o espírito de Ed Wood, Burton decide fazer do seu longa uma homenagem aos tantos exemplares de ficção científica B dos anos 1950, combinados com os filmes-catástrofe populares nos anos 1970, porém dono de um orçamento possível de alcançar praticamente qualquer coisa. Combina-se animação stop motion com os melhores efeitos da companhia de George Lucas, além de uma quantidade impressionante de astros poucas vezes reunidos antes, quase todos marcando presença apenas para serem eliminados da forma mais patética possível. A esperança, como se vê, vem dos lugares mais inesperados.

Assim como quase todos os filmes do cineasta, Marte Ataca! também é uma história bastante pessoal, a despeito do que se possa imaginar. Mais uma vez nos deparamos com a trajetória de um jovem deslocado, solitário e perdido, que diante as situações mais adversas irá encontrar um propósito – assim como Pee-wee, Beetlejuice, Edward, Bruce Wayne ou Ed Wood. Aqui ele atende pelo nome de Richie Norris (Lukas Hass, que foi o garoto defendido por Harrison Ford no drama A Testemunha, 1985), o filho imprestável de uma família “orgulhosa por ser americana” que mora em uma van e manda o filho mais velho (Jack Black, em início de carreira) para o exército lutar contra os marcianos. Mas o rapaz demora a entender como sua ajuda poderá ser valiosa, ainda mais que terá como ajuda a avó octagenária (Sylvia Sidney) e a Primeira Filha (Natalie Portman, também dando os primeiros passos de sua carreira).

Enquanto esses compõem aqueles ainda puros, com os quais podemos nos identificar – há ainda a família liderada por Byron (Jim Brown), um ex-lutador de boxe e agora segurança em Las Vegas, e Louise (Pam Grier, pré-Jackie Brown, 1997), uma motorista de ônibus – tem-se o outro lado do elenco, que são os poderosos incompetentes, sobre os quais recai a sátira e o deboche do realizador. Pra começar, há o próprio Presidente dos EUA, interpretado por Jack Nicholson – que também aparece como o empresário Art Land, ambos despreparados para suas funções e mais parecidos entre si do que uma mera coincidência poderia sugerir. Depois há a Primeira Dama (Glenn Close, incorporando Nancy Reagan), o “especialista” em Marte (Pierce Brosnan, o mais distante possível de James Bond), o militar raivoso (Rod Steiger, que parece dizer a mesma coisa sempre que entra em cena), o assessor de imprensa interessado em tudo, menos na verdade (Martin Short), e os jornalistas descerebrados (Sarah Jessica Parker e Michael J. Fox), preocupados mais em aparecer do que em fazer um bom trabalho.

Quando os marcianos chegam, ninguém quer acreditar que suas intenções possam ser hostis. Os próprios afirmam na primeira oportunidade: “viemos em paz”. Mas o espectador sabe que estão mentindo. E quando sacam suas armas cósmicas iguais a brinquedos de crianças, fica claro o que está por vir. Suas vítimas se transformam quase que instantaneamente em esqueletos (verdes ou vermelhos, afinal o filme chegou aos cinemas no final de 1996, época de Natal, e Burton não iria perder mais essa piada), tanto nos Estados Unidos quanto na Índia, na Ilha de Páscoa ou em Paris. O mundo logo se coloca à mercê dos invasores, numa comprovação total do despreparo dos governantes. Mas os jovens – ou os idosos – que ninguém prestava atenção, ainda que num golpe de sorte, encontrariam a solução para o caos. Tim Burton, afinal, tem esperança em dias melhores. Por mais absurdos que possam parecer. Suas brincadeiras até podem se assemelhar com coisas de criança, inconsequentes e alucinadas, mas há inevitavelmente um discurso forte por trás, além de serem donas de um estilo inconfundível. E com Marte Ataca! ele mostrou mais uma vez que, apesar de todas as cores, suas visão continuava afiada, como poucas vezes antes.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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