Crítica


6

Leitores


2 votos 6

Onde Assistir

Sinopse

Aspirante a escritor que vive em Nova Iorque, Jerry se apaixona à primeira vista por uma moça espirituosa e excêntrica. Em conflito por já ter uma namorada, ele busca conselhos num amigo mais velho e recém-conhecido. 

Crítica

Para além da qualidade, Igual a Tudo na Vida é um dos filmes mais transparentes da carreira de Woody Allen. A característica, tão rara quanto necessária, toma conta do enredo de maneira a constituir boa parte das virtudes e amenizar grande parte dos defeitos. O enredo concentra-se na relação entre o aspirante a comediante Jerry Falk (Jason Biggs) e o professor colegial David Dobel (Woody Allen). Em comum, o fato de que a carreira de ambos está estagnada e deixar Nova York surgirá como única opção. Para Falk, porém, tudo passa por lidar com Amanda (Christina Ricci), a namorada problemática, e o agente Harvey (Danny DeVito), que lhe extorque parte do dinheiro.

Escrito e dirigido por Allen, Igual a Tudo na Vida compensa o roteiro simples ao elevar ao patamar de exceção o trabalho dos diálogos. Na maioria das vezes em que a narrativa usa o texto como bengala – não como complemento – o resultado é pífio. Destino do qual o filme escapou como Ulisses ao canto das sereias. A qualidade dos diálogos e o espaço reservado a eles destitui o falatório da posição auxiliar e o promove ao protagonismo, tal qual um personagem inesperadamente interessante, que o público anseia reencontrar em tela. A fórmula funciona pelo talento de Allen, obviamente. Poucas vezes o diretor encaixou frases tão certeiras, mesmo nas tramas mais sofisticadas. Mas o êxito se dá, principalmente, porque o cineasta parece dar voz a si mesmo, ou a uma situação na qual consegue enxergar-se com facilidade. O espelhamento natural possibilita sequências de diálogos precisos, engraçados, arriscadamente inventivos e de ritmo frenético.

Ainda que seja inevitável – e no momento, impossível – o trabalho crítico passa longe de pensar sobre o quanto há de transferência do autor nos personagens. Para isso temos a psicanálise. No entanto, no campo do evidente, onde transitamos sem restrições, a tutoria que Dobel mantém com Falk se revela o sonho de todo neurótico, que busca um conselheiro para balizar o caminho a seguir e aliviar a culpa pelos fracassos futuros – inevitáveis, por fim. Não à toa, o personagem de Allen precisa de pouco para assegurar ao jovem comediante que Amanda o está traindo. É a voz da experiência. O espelhamento é fácil de identificar: Allen já foi um jovem comediante neurótico em início de carreira angustiado com os rumos pessoais e profissionais. Ele e boa parte das pessoas, imagino. Merecedor de destaque é o salto dramatúrgico de transformar a própria memória psicológica em dois personagens – Falk (o Allen de antes) e Dobel (o Allen de agora interpretado sem superego). O recurso é frágil, mas a dinâmica dos diálogos e das situações impressiona.

Em um plano menos confessional e mais prático, o roteiro trabalha com estereótipos antagônicos. A ingenuidade de Falk contrasta com a vivência de Dobel, assim como a certinha Brooke (KaDee Strickland) com a inconstante Amanda. O caminho fácil decepciona se não atentarmos o motivo. À medida que o longa avança, nos damos conta que tanto a imaturidade quanto a sapiência são irrelevantes frente ao acaso e à falta de ordem, imperativos maiores da visão de mundo tragicamente cômica do diretor.

Das caminhadas no parque, onde Dobel destila um conhecimento existencial arrasador – em ambos os sentidos – para a sala do apartamento de Falk e Amanda, Igual a Tudo na Vida esconde uma vulnerabilidade instigante. A dificuldade com que os conflitos evoluem, a previsibilidade, repetição de elementos dramáticos anteriormente vistos (intelectualidade, beleza, infidelidade, falta de reconhecimento, injustiça divina, etc.) e a instabilidade da mise-en-scène – por vezes, segura e realista, por outras, desnecessariamente brechtiana – nos faz questionar sobre como Allen consegue ser interessante, ainda quando traz pouco à tela. A minha hipótese é a de que as questões fundamentais estão ali, dadas, e quem se preocupa com elas não se importa com a repetição dos questionamentos ou a mesmice das respostas, porque compartilhar a angústia significa aplacá-la. E isso vale mais do que mil filmes sobre como recuperar os arquivos secretos da Rainha.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *