Crítica

Homem-Carro é mais do que um documentário a respeito de um designer de automóveis. É a conexão de um homem com seu passado e a ligação de uma filha com seu pai. Raquel Valadares, diretora do longa-metragem, utiliza de um subterfúgio ordinário – a arrumação de antigos papéis bagunçados na casa de seu pai – para fazer o extraordinário: relembrar aquele senhor o seu passado de êxitos e, de quebra, apresentar ao espectador um senhor talentosíssimo, que utilizou da criatividade pra criar carros ímpares.

Anísio Campos é o protagonista desta história. Piloto quando jovem, passou a desenhar carros na década de 1960 e, ao final da carreira, já contava com mais de quinze em seu currículo. São dele os designs de veículos como o Puma GT DKW, o AC, o Buggy Tropí, o Mini Dacon, o Corcel Hatch e o Topazzio. Com mais de 80 anos, Anísio não desenha carros há um tempo. Abandonou o prazer destas linhas por outras: os desenhos femininos. Raquel deseja reconectar o pai com seu passado automobilístico e, para tanto, propõe uma arrumação na casa daquele senhor. Enquanto eles conversam sobre os trabalhos pretéritos, histórias vão sendo descobertas e temos contato com uma trajetória que vinha sendo relegada ao esquecimento.

Além de conversar com o pai a respeito do passado, Raquel Valadares fez um trabalho de busca pelos carros que Anísio Campos desenhou. Alguns muito antigos já não existem mais. Outros, em mãos de colecionadores, parecem ter acabado de sair da loja, como se tivessem sido conservados intactos. Em Interlagos, a cineasta propõe uma corrida de exposição, com alguns destes veículos tomando as curvas conhecidas dos fãs de Fórmula 1.

Homem-Carro é bastante informativo e nos apresenta a um personagem que é conhecidíssimo nos círculos específicos, dos amantes de carros, mas que pode ser completamente desconhecido para uma grande parcela da população. O filme tem méritos por fazer este serviço em prol da história automotiva brasileira e, claro, por não deixar cair em esquecimento uma figura tão criativa quanto Anísio Campos.

Os designs dos carros são impressionantes e o profissional tinha um cuidado muito grande não só com a beleza externa, mas com a ergonomia dos seus projetos. Tanto que um de seus trabalhos que ganham mais destaque no filme é a pick up Escorpion Ergo Cabine, feita para que as pessoas não precisassem se abaixar para entrar no carro. Outro modelo curiosíssimo é o Topazzio, que possuía uma cúpula de vidro que poderia ser retirada, transformando um carro esportivo em um utilitário. Sem falar no Buggy, objeto de desejo de qualquer adolescente nas praias do passado. O design do Buggy Tropí saiu da cabeça de Anísio.

Uma pena o Brasil ser um país sem memória, com diversos dos carros desenhados por Campos não terem sido preservados em algum tipo de museu. Para ele, no entanto, em fala bem humorada, isso nem é necessário. As fotos provam que eles existiram e isso já basta. Homem-Carro, então, serve como um atestado ainda mais irrefutável de que aqueles veículos circularam pelas ruas do país e deixaram sua marca. Emocionante e informativo, o filme de Raquel Valadares não é apenas para amantes de carros, mas também para quem gosta de uma boa história.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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