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Sinopse

Juliette retorna à convivência com sua família após longos 15 anos de ausência. Sua irmã mais nova, Léa, decide abrigá-la em casa. A recém-chegada vai passar por um processo de descobertas e revelações.

Crítica

Quais sentimentos poderiam atormentar uma mãe com tamanha força a ponto de levá-la a assassinar o próprio filho? Esta é apenas uma das questões levantadas pelo impactante drama francês Há Tanto Tempo Que Te Amo, que, a despeito dos inúmeros méritos que apresenta, um consegue se destacar dos demais: a arrebatadora interpretação de Kristin Scott Thomas! O que levaria essa mulher a cometer o maior crime possível de se imaginar? E por que ela simplesmente não se defende? Haveria justificativa plausível para o ato que cometeu? Como encontrar novamente alegria e ânimo num mundo em que os fatos se conjecturam de tal modo? Thomas, como a protagonista, revela uma maturidade enquanto artista nunca antes vislumbrada, nem mesmo quando conseguiu ser indicada ao Oscar pelo épico O Paciente Inglês. Somente agora, anos depois, finalmente revela ser de outra estirpe.

Outro ponto forte de Há Tanto Tempo Que Te Amo é a direção delicada e segura de Philippe Claudel, também autor do roteiro e do livro em que o filme se baseia. Apesar de ser novato na função de diretor, demonstra uma incrível maturidade, ciente do discurso que carrega e da força deste novo elemento em que se aventura: a imagem. Ao contrário do que se poderia esperar de um escritor, é econômico com as palavras, fazendo uso dos diálogos apenas quando estritamente necessário. Em vez disso, sabiamente aproveita o recurso agora à disposição, o visual. E somente um olhar da personagem central diz muito mais do que horas de conversas. No começo da ação estamos diante dos olhos cansados dela, num aeroporto, à espera de alguém. Não há ansiedade, angústia, expectativa. Há somente tristeza, desamparo, desilusão. Com paciência e cuidado, no entanto, começamos a compreender como ela chegou àquele ponto. E passamos, assim, a entender e compactuar com estes sentimentos.

Thomas, que recentemente vinha apenas fazendo pontas de luxo em produções descartáveis como Os Delírios de Consumo de Becky Bloom e A Outra, encontra aqui o maior desafio de sua carreira – e sai-se impecavelmente bem da provação. Indicada ao Bafta, ao César e ao Globo de Ouro por sua interpretação, acabou sendo reconhecida no European Film Awards e no prêmio dos Críticos de Londres, um resultado ainda assim tímido diante tão impressionante performance. Ignorada no Oscar, deveria não só ter sido lembrada como justamente premiada. Afinal, este é um dos desempenhos mais arrebatadores da última temporada! As emoções contidas, os olhares desviados, a vergonha abafada, a profunda depressão e a busca por uma nova vida, vontades caladas por trás de um tremendo abatimento são nunca explorados desnecessariamente, de forma aleatória. Cada expressão é ponderada, cada desgaste verbal é feito entre pausas e respiros, e tudo conspira na criação de um ambiente que não apenas revela a verdade daquela situação como também sua total verossimilhança. É um universo negro que aos poucos vai se abrindo, e é cruel e doloroso descobrir como algo tão injusto possa fazer sentido.

Indicado também no Globo de Ouro como Melhor Filme Estrangeiro, Há Tanto Tempo Que Te Amo saiu vitorioso dos festivais de Vancouver (prêmio do júri popular) e de Berlim (prêmios do Júri Ecumênico e Especial do Júri), além de destaques no Bafta (Melhor Filme Estrangeiro) e César (Melhor Filme de Estreia e Atriz Coadjuvante, para a igualmente intensa Elsa Zylberstein, como a irmã que, ao lado do público, participa deste processo de reconhecimento dos traumas familiares). Se há problemas neste filme, no entanto, eles estão apenas nos minutos finais da trama, e obviamente ocasionados pela inexperiência desculpável do realizador. Apesar da segurança demonstrada até aquele momento, ele subestimou nos últimos instantes a inteligência dos espectadores interessados e, a despeito dos elementos expostos e das pistas espalhadas por todo o desenrolar da história, tratou de esclarecer o que faltava, eliminando a troca com a audiência. Mesmo assim, é um deslize menor diante de uma conquista tão memorável. Este é um filme que não tem medo do sofrimento que expõe, convidando-nos a participar do processo. E apesar das lágrimas que inevitavelmente surgirão, a plenitude e sensação de dever cumprido não poderia ser maior.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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