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Sinopse

No dia do seu aniversário de casamento, Amy Dunne desaparece. Seu marido, Nick, fica em apuros, pois se torna o principal suspeito de um suposto crime. Ele tem de provar inocência e procurar ela ao mesmo tempo.

Crítica

Há uma nova leva de cineastas de destaque em Hollywood que vem, nos últimos anos, moldando um estilo bem particular de fazer cinematográfico. São nomes como Paul Thomas Anderson, James Gray, Wes Anderson e Spike Jonze, entre outros,. Em comum, eles dificilmente podem ser considerados “autores”, como Woody Allen ou Martin Scorsese, que por mais que tenham demonstrado versatilidade em suas filmografias, invariavelmente produzem ‘mais do mesmo’ (ainda que acima da média, é claro). Mas, assim como mestres do nível de Billy Wilder ou John Huston, estes talentos recentes tem se aventurado nas mais diversas searas, mesmo que seja perceptível uma natural proximidade com um gênero ou outro. E como é bom vê-los, literalmente, reinventar a roda a cada nova incursão no campo que mais lhe agrada. Exatamente o que acontece com David Fincher, que agora chega ao seu décimo longa-metragem como realizador com o surpreendente Garota Exemplar.

Não estamos falando aqui do investigador da realidade de A Rede Social (2010) ou do filosófico humano de O Curioso Caso de Benjamin Button (2008). O David Fincher presente em Garota Exemplar é aquele que o público se acostumou a reconhecer em títulos como Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), Zodíaco (2007) e Millennium: Os Homens que não Amavam as Mulheres (2011). Ele está mais uma vez no seu ambiente preferido, vasculhando a mente desequilibrada de sociopatas envolvidos em mistérios aparentemente insolúveis, mas que contarão inevitavelmente com a colaboração do espectador para a sua resolução, uma vez que esse será envolvido de tal forma com enigma em questão que será praticamente impossível abrir mão de uma entrega absoluta. Tem-se aqui, mais uma vez, um diretor no domínio total do ambiente em que sua história se insere, a partir de uma trama elaborada sob medida para suas ambições e defendida com garra e entrega por um elenco inacreditavelmente perfeito.

Nick (Ben Affleck, curiosamente adequado) e Amy (Rosamund Pike, uma revelação) são o casal perfeito. Estão juntos há cinco anos, moram numa casa enorme e confortável, estão sempre felizes e próximos dos parentes (pais dela, irmã dele). No entanto, um dia ele é chamado por um vizinho, e ao chegar em casa encontra sinais de briga, sangue pela cozinha e nenhum sinal da esposa. Ela sumiu, a polícia é chamada e o processo tem início: coletiva com jornalistas, envolvimento das pessoas mais chegadas, chamadas na televisão, organização de equipes de busca. Tudo parece estar no devido lugar, menos Nick: ele não chora, não se desespera, não consegue expressar maiores emoções. Quando alguém se aproxima para lhe oferecer ajuda, ele sorri e agradece. Não parece ser o comportamento esperado por alguém cuja companheira de vida simplesmente desapareceu da noite para o dia.

A mídia, principalmente em dias como os que vivemos atualmente, não perdoa aquele que foge dos padrões. David Fincher sabe muito bem disso, e não se cansa de ir atrás destes meandros para propor uma nova discussão a respeito de limites e individualidades. Este é um dos pontos de vista mais interessantes de Garota Exemplar, ainda que esse discurso possa soar repetitivo para alguns. Mas não fala aqui sobre o poder avassalador da imprensa, mas sim como usá-lo contra ou a seu valor. E esse mero detalhe faz toda a diferença. Ben Affleck, convincentemente desconfortável, se adapta com tranquilidade ao papel deste homem jogado pelas circunstâncias. Rosamund Pike, por outro lado, entrega uma performance absolutamente irretocável, dona dos melhores – e mais marcantes – momentos em cena. E até nomes como Neil Patrick Harris e Tyler Perry, tradicionalmente mais cômicos, correspondem bem dentro do contexto em que se inserem. O segredo, no entanto, está mesmo no texto de Gillian Flynn, autora do romance e também do roteiro. Tudo se encaixa, com raros poréns que, se por um lado podem parecer preciosismos, ainda assim podem convencer os mais exigentes.

Mas, como tudo que é belo e tranquilo na superfície, também esse casamento possuía suas rachaduras. Uma amante surge, um descontrole financeiro é revelado, uma dependência inadequada entre os dois é descoberta. Há motivos para um crime, mas teria ele, realmente, acontecido? Outro fator interessante é o fato dela ser a inspiração para a série de livros “Amazing Amy” (Amy Maravilhosa, em tradução literal), escritos pela própria mãe e um fenômeno editorial reconhecido em todo o país. A nação inteira está atenta ao desenrolar desse caso. E na cabeça desta mulher, que desde menina sempre foi observada como um objeto de estudo e explorada criativamente por outros, a fuga precisa ser perfeita, sem deixar pistas nem pontos falsos, pois qualquer deslize pode significar o fim de um longo percurso – mesmo que a conduza a uma nova e inesperada direção.

Muito do que se viu em trailers e na divulgação de Garota Exemplar diz respeito, basicamente, à primeira meia hora da trama. Há mais depois, e qualquer revelação adiantada pode soar suspeita e comprometedora. É importante ter em mente, no entanto, que este não é um filme banal e de conclusões óbvias. David Fincher sabe exatamente o que está fazendo, por onde já percorreu e o que precisa fazer para encontrar algo original e atraente. Impecável até mesmo diante dos altos parâmetros aos quais constrói sua história, buscando referências preciosas e não muito discretas, consegue atender aos mais diferentes níveis de leitura, mostrando uma competência narrativa extremamente eficiente. Entretenimento de qualidade, esta é uma obra para adultos que sabe se portar à altura das expectativas geradas, felizmente entregando um resultado superior ao prometido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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