Crítica


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Sinopse

O filme volta a abordar os personagens fundamentais (homens e mulheres) para o sucesso do filme Cidade de Deus (2001), um dos grandes fenômenos do cinema brasileiro pós-Retomada. 

Crítica

A imagem de uma faca sendo afiada. Uma voz em off que soa familiar. Logo percebemos que é Alexandre Rodrigues, intérprete de Buscapé. Um encontro da memória coletiva através de um filme que se tornou um marco. Nos seus bastidores, o êxito de uma equipe, de um diretor, as participações no Festival de Cannes e as indicações ao Oscar. O caminho para uma vida de astros, de sucesso, de conquistas fáceis, de sonhos e alguns deslumbramentos. Cidade de Deus: 10 anos depois, poderia abordar muitos pontos de vista, diante da importância do filme de Fernando Meirelles, para a história do cinema brasileiro e mundial. Nesse sentido, o caminho escolhido pelos diretores Cavi Borges e Luciano Vidigal foi o de contar o que aconteceu nestes dez anos através dos atores. Como estão hoje em dia? O que fazem? O que o filme mudou em suas vidas? Estas são algumas das problemáticas abordadas pelos diretores do longa.

Cerca de 200 atores e não-atores, muitos deles integrantes do grupo Nós do Morro, do Vidigal, e de outras favelas cariocas, como o Complexo do Alemão e a própria Cidade de Deus, fizeram parte do elenco do filme de 2002. Borges e Vidigal, encontraram e entrevistaram cerca de 50. Destes, 15 estão no documentário. Através dos depoimentos de Roberta Rodrigues, Leandro Firmino, Douglas Silva, Eduardo BR, Alice Braga, Thiago Martins, Seu Jorge, entre outros, um recorte é feito afim de abordar a situação destes atores após o filme. Assim como é  recorte sobre a situação do artista no Brasil.  Apesar de destacar a questão única do indivíduo que vence pelos seus próprios méritos quando sabe-se que numa sociedade desigual isso não seja exatamente a realidade da grande maioria, pois o meio influencia diretamente nas direções e no tempo da vida, muitos momentos do documentário ganham força através das falas dos atores. Pontuamos aqui três: o paradoxo da fama, as similitudes entre os personagens da trama ficcional e da vida real.

Alexandre Rodrigues descreve o quão paradoxal foi numa noite pisar no tapete vermelho de Cannes, viajar de avião pela primeira vez e, no dia seguinte, sentir uma gota d'água pingar em sua testa por conta das goteiras que existem em sua casa. A vida real não mudou nada. Para a grande maioria não mudou. Alguns se tornaram bandidos, outros pais de família, outros professores, funcionários de estabelecimentos privados, outros desistiram da profissão diante das dificuldades impostas pela falta de condições e estrutura. O filme não é uma história de alegria e de grandes êxitos. A história que começa excitante, aos poucos vai caindo na realidade. Para alguns atores a falta de rumo na carreira levou à grandes frustrações o que leva alguns a colocar a culpa em Fernando Meirelles. Perguntado pelos diretores do documentário se gostaria de produzir o filme, o diretor recusou a proposta e decidiu apenas ajudar nas questões de ordem burocrática, como a parceria do longa com o Canal Brasil e breves opiniões sobre o roteiro pré-estabelecido.

A vida de alguns dos atores entrevistados confunde-se com a do filme. É o caso por exemplo de Rubens Sabino, parceiro de Zé Pequeno no filme e que foi preso ainda durante a estreia do filme em 2002. Há também um caso curioso de inversão de papéis. Na ficção, o personagem de Alicate, interpretado por Jefechander Suplino, decide abandonar o tráfico e ir pra Igreja. Na vida real, Jefechande está desaparecido. Numa intersecção entre real e ficcional, ouvimos Buscapé em off: " o destino entregou Alicate nas mãos de Deus". Em um único e importante bloco o documentário destaca a influência que o preconceito racial exerce nos sonhos e nas escolhas e da dificuldade do negro ascender socialmente no Brasil. A maioria dos atores do filme são negros. A música Negro Drama, dos Racionais MCs cantando com Seu Jorge acompanha as imagens. Inclusive para o próprio cantor a letra é o hino de sua vida.  Luciano Vidigal afirma que, conscientemente, o filme quis trazer esta questão de maneira tão objetiva, pois todos os atores falavam sobre este ponto em seus depoimentos. Além do mais, o filme Cidade de Deus trouxe para eles a questão da identidade negra. Através de James Brown, Cartola e Tim Maia, o cabelo black virou moda e a formação de uma postura militante passou a ser importante.

Concluindo, é interessante conhecer os diferentes caminhos mostrados. O fato de dar certo como ator não é mais fator principal, e sim, o fato de dar certo na vida diante das circunstâncias nem sempre favoráveis. Para alguns, o filme foi um ritual de passagem, um impulso artístico. Para outros, apenas mais uma experiência cotidiana nas suas vidas. Mas certamente para todos, mostrou um outro lugar no mundo.

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é formada em História pela PUCRS. Cinéfila e documentarista em formação, estudou Documentário na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antônio de los Baños (EICTV), Cuba. Atualmente é aluna do Laboratório de Produção – Documentário de Criação, promovido pelo Cena Um e integrante da Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte (CASF) em Caxias do Sul.
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Grade crítica

CríticoNota
Iliriana Rodrigues
8
Marcelo Müller
7
MÉDIA
7.5

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