Dossiê Jango
Crítica
Leitores
Sinopse
João Goulart havia sido eleito democraticamente presidente do Brasil, mas foi expulso do cargo após o golpe de Estado de 1 de abril de 1964. Depois disso, Jango viveu exilado na Argentina, onde morreu em 1976. As circunstâncias de sua morte no país vizinho não foram bem explicadas até hoje. Seu corpo foi enterrado imediatamente após a sua morte, aumentando as suspeitas de assassinato premeditado. Este documentário traz o assunto de volta à tona e tenta esclarecer publicamente alguns fatos obscuros da história do Brasil.
Crítica
A tese do filme, embora “clandestina” devido à imposição do parecer ditado pelas forças político-militares, é conhecida: em 6 de dezembro 1976, João Goulart foi assassinado (no caminho da Operação Condor), não meramente morto. Nada provado, mas amparado por certa aparelhagem cronológica, social e política e narrativa, a morte de Jango certamente carece, no mínimo, de explicações. O contexto da chegada à presidência do Brasil após ser vice do governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, seguindo de perto também a curta jornada de Jânio Quadros a frente do posto, não poderia ser mais “perigoso”. O filme de Paulo Henrique Fontenelle se dedica a questionar alguns dos principais atores na época de sua morte praticamente desconsiderando o ponto de vista contrário, o que, em se tratando de um filme, é algo absolutamente legítimo diante da narrativa maior popularizada nos livros de História e na mídia. A cardiopatia de Jango não o teria matado, mas sim um envenenamento por meio de uma troca de remédios que acelera o ritmo cardíaco. O corpo de Jango nunca foi exumado, e o filme, através de seus personagens, vem reivindicar a abertura da autópsia.
Tementes pela “ameaça comunista” que Goulart estava tramando subversivamente, na adoção do argumento clássico dos reacionários pró ditadura (a redundância, aqui, parece válida), o presidente foi deposto e, como já sabemos, os militares tomaram o poder. A partir daí, Jango viveu exilado até morrer, na Argentina, sob condições dúbias, e é isso que o filme pretende investigar e abrir parcialmente. Do ponto de vista estético, é corriqueiro o formato do filme de Fontenelle: narrativa jornalística, entrevistas em grande parte acompanhadas musicalmente para amplificar a tensão e o drama, encadeamento lógico das falas, imagens e depoimentos de arquivo para complementar e ilustrar as questões mais urgentes. O que lhe dá sobrevida é mesmo o assunto e o mistério que procura desvendar, essa morte dolorosa para toda uma herança política e afetiva, e para isso estabelece esse mistério cinematograficamente. Fontenelle quer que o mistério perdure até o final e não se esgote (nem poderia) após os créditos. Seu filme merece, portanto, uma breve análise da exposição do discurso.
A mídia, na época francamente favorável ao regime e, por óbvio, contrária a Jango, empalidecia as propostas reformistas do presidente, convocando Deus, a pátria e a família às ruas e clamando pela “revolução” fardada. Deu certo. Golpe. Segundo as dúvidas que vemos povoar a maioria das intervenções escolhidas por Fontenelle, entre os quais as de Jair Krischke, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony e João Vicente Gullar (filho de Jango), há muitas obscuridades sob a história oficial, daí a importância de apurar corajosamente “as cinzas” não só de Jango, mas de todos possíveis torturados, mortos, presos e criminalizados pelo regime autoritário que vigorou mais de vinte anos no país.
Aos olhos do império, contexto e motivação governistas não faltaram para intervir no processo democrático nacional e pondo fim à vida de “um presidente que nunca foi” – embora tenha sido imageticamente, ideologicamente, antes de tudo e qualquer outra coisa. Houve um dilaceramento pontual da democracia: o monitoramento ostensivo pelos órgãos de defesa externos e internos, a pressão internacional vinda do norte, a resistência política interna diante das reformas de base, como a agrária, que Jango erguia como bandeiras de sua política reformista “forte”. Passados muitos anos, já décadas, nada ainda se definiu.
Ora, a própria existência de um filme como este, em sua ampla funcionalidade enquanto registro de narrativas e possibilidades de percepção históricas, já clarifica a deficiência do Estado no que diz respeito a sua memória, a sua dura e cruel memória. Em meio a uma maneira de contar um tanto enrijecida e fria, Dossiê Jango, sob outro olhar, tem a força de toda uma história por existir. História que quer e precisa existir.
Últimos artigos dePedro Henrique Gomes (Ver Tudo)
- Violet - 16 de abril de 2014
- A Estranha Cor das Lágrimas de Seu Corpo - 13 de abril de 2014
- As Filhas - 12 de abril de 2014
Deixe um comentário