Disparos
Crítica
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Sinopse
O fotógrafo Henrique (Gustavo Machado) se envolve em um caso de violência pela cidade ao ser assaltado por motoqueiros, que são atropelados por um carro não identificado. Após recuperar sua câmera, ele percebe que precisa voltar ao local para encontrar o seu cartão de memória. Questionado por um policial (Silvio Guindane), ele é acusado do crime por omissão de socorro e, consequentemente, é levado a uma delegacia. Lá precisa lidar com Freire (Caco Ciocler) e Gomes (Thelmo Fernandes), que não estão dispostos a facilitar a situação para ele.
Crítica
A escritora e roteirista Juliana Reis afirmou ter tido a inspiração para o enredo de Disparos, seu trabalho de estreia, após ouvir um relato de um acidente ocorrido com um conhecido e, mesmo com seu espanto, perceber posteriormente que outros amigos já haviam passado – ou presenciado – situações semelhantes. O que ela se propõe a discutir aqui, neste longa enxuto e objetivo, é a questão da violência urbana – tão em voga nos dias de hoje – porém sob um prisma mais pessoal, íntimo, digamos. Até que ponto nossa humanidade, a preocupação pelo outro, persiste quando o que importa é o bem estar pessoal? Somos homens ou animais – ou haverá, de fato, diferenças entre estas duas definições? Não serão todos os homens uns animais, civilizados na maior parte do tempo, mas ainda assim dispostos às mais bárbaras selvagerias quando em perigo? As dúvidas são muitas, assim como os exemplos – e as conclusões – que a realizadora busca dividir com o seu público.
Através de uma narrativa fragmentada, Juliana Reis destaca vários episódios simultâneos de desrespeito e agressão. O catalisador é o que acontece a Henrique (Gustavo Machado), um fotógrafo que, ao sair de uma sessão de fotos em uma boate gay, sofre uma tentativa de assalto quando já estava dentro do carro, conversando com seu assistente, Guto (João Pedro Zappa). Alguém que passava por ali naquele instante, ao perceber o que acontecia, decide jogar o próprio carro pra cima do assaltante, atropelando-o e deixando-o lá, atirado no meio da rua, sem socorro nem auxílio. Sua intenção era clara – impedir que um crime acontecesse – mas para isso um muito pior não ocorreu? Em paralelo, temos o produtor (Gilberto Gawronski) que, após decidir permanecer no clube noturno em busca de diversão, é vítima de um ‘boa noite cinderela’; a mulher que, por se sentir traída e abandonada, decide ir pra cama com o estagiário do namorado; e a própria atropeladora, indecisa entre suas responsabilidades familiares e morais.
Caso se contentasse apenas com esse mosaico, Disparos seria dono de uma proposta interessante, mesmo que perdesse muito da sua relevância contemporânea. No entanto, felizmente, este é um filme disposto a ir além, e muito disso é alcançado com o personagem de Caco Ciocler, que aparece como o inspetor policial decidido a tentar entender o que aconteceu durante aquela única noite. Sua percepção é, ao mesmo tempo, distanciada – pois precisa ouvir para descobrir – como também cansada, dadas às inúmeras vezes que já se deparou com questões similares. Ele não é crédulo, mas também não se contenta com um cinismo gratuito. Trata-se da figura que irá alterar o equilíbrio, movendo o discurso adiante e colocando o espectador dentro da batalha de nervos que se estabelece em cena. Um desempenho à altura do talento do ator, que merecidamente foi premiado como melhor coadjuvante no último Festival do Rio.
Selecionado para a mostra Première Brasil, Disparos ganhou ainda na mostra carioca os prêmios de melhor edição e fotografia – o primeiro, principalmente, uma escolha tão óbvia quanto merecedora. Se ninguém é vítima, como afirma o material de divulgação do longa, qual é o papel que compete a cada um dos envolvidos em tantas situações tão próximas às vistas aqui, seja em maior ou menor grau? Este não é um filme de respostas fáceis, muito menos óbvias, mas que se constrói junto com a reflexão do espectador, que se vê diante destes dilemas e debates. No discurso é muito fácil ser correto, mas a diferença estará no que é feito quando se age por instinto, sem questionamentos ou hesitações. E são nestes segundos, quando o disparo já foi dado, que tudo pode mudar. Para melhor ou pior, só o depois pode responder.
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