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Sinopse

Aos 31 anos, Daphne tem a sensação de que sua vida está parada, pois se sente jovem demais para se estabelecer e velha demais para ficar zoando por aí. Para se distrair, se mantém ocupada com pessoas, amigos e amantes. Após presenciar um assalto, Daphne é a forçada a confrontar esse limbo existencial, analisando de perto a pessoa que se tornou.

Crítica

Daphne (Emily Beecham) não é propriamente uma pessoa carismática, pelo contrário. Embora cercada constantemente de gente, são poucas as ligações genuínas que ela estabelece. Com a mãe há uma relação tensa, haja vista a primeira cena delas juntas, com uma chegando sem avisar e a outra fazendo nenhuma questão de expressar carinho. Daphne é o retrato da jovem que lhe empresta o nome, cuja grossa casca de cinismo recobre uma série de dúvidas, fragilidades e dificuldades para sedimentar os elos afetivos. O diretor Peter Mackie Burns não manifesta qualquer traço de condescendência com sua protagonista, apresentando-a como alguém de humor flutuante, mas prioritariamente antipática. É como se ela fizesse questão de trafegar na contramão da polidez automática, imperativa na sociedade, sendo frequentemente grosseira com seus interlocutores – muitos deles empenhados em aproximar-se – e evitando uniões que causem certa dependência emocional, como amores e amizades.

O sintoma mais claro da inconveniência a Daphne da mínima possibilidade de deixar-se verdadeiramente à mostra é a forma dela lidar com os homens das suas noites. Geralmente, tais aventuras não passam de um flerte regado a muito álcool e um posterior intercurso sexual sem possibilidade de rastros. Ela age friamente, demonstrando interesse e perdendo-o com a mesma velocidade e banalidade. Daphne se detém na construção dessa psique complexa, evitando apelar a sequências de puro impacto dramático, preferindo expor a personalidade singular da protagonista pela repetição da rotina que denota a sua essência. Esse procedimento narrativo é relativamente eficaz, embora tenha um efeito colateral danoso, justamente em virtude da exposição de diversos episódios em que a hostilidade de Daphne sobressai, para além da constatação da fragilidade interna que a leva a ser rude e insensível. Com isso, corre-se o risco de, adiante, quando há indícios de franca transformação, não restar muita simpatia.

Peter Mackie Burns deixa à mostra uma bem-vinda vontade de fugir aos moldes mais disseminados, especialmente no que tange à queda em si, experimentada gradualmente por Daphne. O estopim dessa mudança que se faz urgente é o testemunho do assalto que resulta num homem esfaqueado. Todavia, em meio à reiteração de exemplos do comportamento de Daphne, há uma demora demasiada para que a mulher reflita profundamente acerca, inclusive, de sua indiferença quanto ao estado de saúde da vítima. Assim que ela decide, não sem relutâncias de diversas naturezas, procurar ajuda psicológica, abrir-se minimamente ao mundo circundante, Daphne cresce sobremaneira, pois aí ganham luzes apropriadas as contradições que evidenciam a humanidade por trás de cada ação, inclusive das mais reprováveis num primeiro momento. As citações ao pai da psicanálise, Sigmund Freud, e ao filósofo Slavoj Žižek alimentam a concepção do tipo que Daphne cria para proteger-se.

Daphne demonstra sensibilidade ao expressar as facetas de sua protagonista, ainda que durante boa parte de seu transcorrer insista em oferecer aquilo que já sabemos de antemão, exatamente por conta de traços dos quais previamente lança mão. O discurso pessimista da mulher sobre o amor, sintomaticamente, sempre é direcionado aos homens que ensaiam contiguidade, claramente repetido com o intuito não de convencer outrem, mas a si mesma. Daphe ocasionalmente se torna uma figura cuja frieza não importa como deveria, fruto não do descuido diretivo, pelo contrário, mas da maneira como o roteiro aposta desnecessariamente na reafirmação de um conjunto de características negativas. A interpretação de Emily Beecham ajuda a dirimir essa sensação incômoda, pois em seu olhar e gestos se veem excertos substanciais de fragilidade, mesmo quando sua personagem desconta frustrações e impossibilidades em quem está mais próximo, ou assim o deseja, em várias ocasiões similares.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
6
MÉDIA
6

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