Crítica

Ao se reunir com Noomi Rapace (com quem atuou antes em A Entrega, 2014), Jason Clarke (seu irmão em Os Infratores, 2012) e, principalmente, Gary Oldman (este é o quarto longa dos dois juntos), Tom Hardy aparece como o protagonista de Crimes Ocultos, drama de guerra combinado com thriller policial que acaba frustrando tanto um quanto outro caminho pela inabilidade do diretor Daniel Espinosa (Protegendo o Inimigo, 2012) em conseguir conciliar estes gêneros aparentemente distintos. Dispondo de um elenco razoavelmente coeso e contando com uma decente ambientação de época, o filme, no entanto, falha pelas concessões hollywoodianas óbvias e por demorar em conseguir estabelecer sua verdadeira trama, perdido diante suas diversas possibilidades.

Baseado no romance de Tom Rob Smith, Crimes Ocultos começa no final da Revolução Russa, quando Leo Demidov (Xavier Atkins) é uma das tantas crianças deixadas à morte por inanição. Ele, no entanto, é adotado por um oficial, e consegue melhor sorte na vida. Já durante a Segunda Guerra Mundial (na pele de Hardy), acaba se tornando herói nacional por um acaso do destino – uma foto lhe é tirada no exato momento da vitória – e seu status no exército cresce do dia para noite, assim como suas responsabilidades. Tudo começa a mudar quando, durante uma inspeção de rotina em busca de espiões infiltrados, acaba discutindo com um dos seus colegas (Joel Kinnaman, ator-fetiche do diretor), que o denuncia e o coloca sob vigilância. E quando a mulher dele (Rapace) é apontada como possível espiã, ele precisa tomar uma decisão: entregá-la aos seus superiores ou defendê-la até à morte.

Esse argumento, se bem trabalhado, já poderia render um filme interessante. E o roteirista Richard Price (indicado ao Oscar por A Cor do Dinheiro, 1986) parece concordar com isso, devido ao tempo que dedica a esse segmento da história. No entanto, não é este o principal mote de Crimes Ocultos. Por isso podemos antecipar que Leo termina tomando partido ao lado da esposa e sendo condenado ao exílio ao lado dela. Os dois são enviados ao norte da Rússia, numa região comandada pelo General Mikhail Nesterov (Oldman). Os dois estão prontos para o pior, quando acontece um terrível assassinato de um garoto próximo à linha de trem. O curioso é que este não é o primeiro caso similar com que Leo se depara – o anterior teria acontecido meses atrás, com o filho de um conhecido. A dúvida que permanece é como os dois eventos poderiam estar ligados, uma vez que aconteceram em lugares diferentes e distantes, ou se são episódios isolados. E como ele pode evitar que venham a se repetir?

Tom Hardy é um ator dedicado, conhecido por seu estudo de personagem, e aqui ele tem em mãos um tipo bastante introspectivo e com muitos traumas do passado, mas lhe faltam oportunidades para melhor explorar estes elementos. São tantos eventos necessitando da atenção dele que acaba passando a maior parte do tempo apena reagindo, ao invés de agir. Noomi Rapace demonstrou seu potencial na trilogia Millennium original, na sua Suécia natal, mas aqui passamos o tempo todo esperando por uma explosão, uma tomada de atitude que simplesmente não acontece. Outros nomes interessantes, como Paddy Considine e Vincent Cassel, contentam-se em reviver estereótipos, enquanto que Oldman, Kinnaman e Clarke fazem pouco mais do que participações especiais.

Produzido por Ridley Scott, Crimes Ocultos conta com outros nomes de respeito em importantes áreas técnicas, como Oliver Wood – diretor de fotografia da série Bourne – e Pietro Scalia – montador vencedor do Oscar por JFK (1991) e por Falcão Negro em Perigo (2002). Talentos, no entanto, que não parecem fazer diferença diante o fraco resultado final. Entre as possíveis infidelidades do casal central, a ligação do protagonista com o exército soviético, a existência ou não de delatores, um serial killer em ação e os porquês das autoridades seguirem negando os assassinatos das crianças, atira-se muito no ventilador, e pouco parece se conectar um com outro. É o típico caso em que a soma dos fatores se demonstra ser menos interessante do que cada um em separado. E por mais que se queira gostar do que é visto, falta tempero para fazer deste um filme digno de atenção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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