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Sinopse

Tensões raciais emergem em uma série de histórias envolvendo moradores de Los Angeles. Diversos personagens das mais variadas origens étnicas se cruzam em um incidente. Os diferentes estereótipos que a sociedade criou para esses grupos raciais afeta seu julgamento, crenças e atitudes, o que causa problemas e tensões para todos.

Crítica

Crash: No Limite é um filme surpreendente, que, no entanto, acabou ficando obscurecido por uma infeliz jogada do destino. Trata-se de uma produção pequena (custou cerca de US$ 6,5 milhões, valor irrisório para os padrões hollywoodianos) que atraiu no elenco nomes de destaque como Sandra Bullock, Brendan Fraser, Matt Dillon e Don Cheadle (cada um costuma ganhar por trabalho mais do que esse orçamento inteiro), e que foi um verdadeiro fenômeno nas bilheterias norte-americanas (faturou quase dez vezes o seu custo). Como se isso não fosse o suficiente, recebeu críticas entusiasmadas resultando nos controversos Oscars de Melhor Filme, Roteiro Original e Edição. Não que não fosse merecido, apenas não era o melhor daquele ano – afinal, superou concorrentes como O Segredo de Brokeback Mountain (2005), Munique (2005) e Boa Noite e Boa Sorte (2005), trabalhos inegavelmente mais relevantes.

Escrito e dirigido por Paul Haggis, roteirista do oscarizado Menina de Ouro (2004), Crash: No Limite tem a estrutura similar a de filmes como Short Cuts: Cenas da Vida (1993), e Magnólia (1999). São várias histórias pessoais aparentemente desconectadas que, em determinado momento, irão se interligar. Cada uma contém seus próprios dilemas e conflitos, todos mais complexos que a primeira impressão pode sugerir. Há o policial racista (Dillon) e o parceiro (Ryan Phillippe), o novato incomodado com a atitude do colega. O casal de detetives policiais formado por um negro (Cheadle) e uma latina (Jennifer Esposito). O bem-sucedido diretor hollywoodiano (Terrence Howard) e a esposa deste (Thandie Newton), incapaz de compreender a atitude passiva do marido diante um abuso de autoridade policial. Há ainda os negros de periferia (Ludacris e Larenz Tate) incomodados com os estereótipos, o chaveiro latino (Michael Peña) que só quer fazer seu trabalho em paz e proporcionar o melhor para sua família, o imigrante iraniano (Shaun Toub) que deseja garantir a segurança de sua pequena loja, e o promotor público (Fraser) que busca os votos para sua reeleição, ao mesmo tempo que tenta contentar a esposa (Bullock) mimada.

O modo como cada um destes destinos se une revela uma apurada consciência do todo, construindo habilmente uma mensagem superior a cada uma das linhas narrativas em separado. Inteligente e perspicaz, o diretor consegue fugir do clichê fácil, dando-lhes vida e verossimilhança, mesmo com poucos momentos individuais. O personagem de Don Cheadle faz o comentário que dá o tom de todo o filme: “em Los Angeles estão todos tão ocupados que não nos encontramos, esbarramos uns nos outros. E cada encontrão destes provoca um estouro que é difícil de reparar depois”. Crash: No Limite é assim, intenso, violento e sofrido. Os atores se entregam sem reservas aos seus papéis, e o conjunto nos oferece algo único e valioso. Esta obra contrapõe também nossos próprios pré-conceitos enquanto espectadores, nos tirando de uma situação até então confortável e levando-nos para dentro da ação. Uma vez que os conflitos vividos na tela são comuns a todos, por mais insignificantes que possam aparentar a princípio, a conexão se estabelece. E, uma vez que há identificação, a força da mensagem é ainda mais forte.

Cada pequeno enredo de Crash: No Limite é rico o suficiente para garantir um filme por si só. Mas Haggis, ao colocá-los juntos, faz mais, explorando-os de maneira sábia e convincente. Temos aqui um painel, às vezes genérico, mas nunca superficial, de um caldeirão de possibilidades que entra em ebulição em momentos climáticos, irreversíveis e arrebatadores. Preconceito, racismo, ignorância, injustiça: tudo está presente, e de modo tão dolorido quanto verdadeiro. Talvez não seja tão revolucionário enquanto cinema, mas sua relevância está na mensagem que carrega. E é por isso que merece não apenas ser conferido, mas também compreendido e assimilado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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