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Sinopse

Uma família desesperada pede refúgio na casa em que Paul mora com a esposa e o filho. Aos poucos, a paranoia vai aumentando e Paul precisará traçar estratégias para proteger os seus.

Crítica

A primeira cena já é de impacto: um idoso se preparando para morrer. Mas não é uma morte qualquer: é o adeus desesperado de alguém que reconhece que precisa ir. Porém, essa partida não se dará por conta própria – os encarregados do seu fim são o genro e o neto. E essa não é nem de perto a cena mais forte de Ao Cair da Noite, um thriller pós-apocalíptico que pega o espectador pelos nervos do início ao fim, sem lhe oferecer um único instante de folga durante toda a sua trajetória. E isso se faz não apenas pela narrativa concisa e objetiva, mas também pelos personagens bem estruturados que se relacionam através de diálogos certeiros e precisos. Resultado, é claro, de uma visão muito apurada do que precisa ser dito e, principalmente, daquilo que não é necessário.

Bud (David Pendleton, de Mesmo Se Nada Der Certo, 2013) não apenas é assassinado com um tiro de espingarda no peito. Ele é jogado em uma vala e, em seguida, incinerado. Paul (Joel Edgerton) e Travis (Kelvin Harrison Jr., de O Nascimento de uma Nação, 2016), sentem terem sido obrigados a tal atitude, mas mais preocupados estão em eliminar vestígios da existência do ancião. E por quê isso? Porque ele estava doente. No seu rosto e na sua pele se percebiam as chagas da contaminação. E o que aconteceu com ele não pode se repetir com aqueles que seguem vivos. Quantos são e onde eles estão, não sabemos. E, também, pouco interessa. Nesse momento, só ficamos a par da existência e, acima de tudo, resistência, dessa família, que além do pai e filho conta ainda com a mãe e esposa, Sarah (Carmen Ejogo, de Selma: Uma Luta pela Igualdade, 2014). Ela, que acabou de ficar órfã. Mas sabe que isso não se deu no momento do tiro, e sim algum tempo atrás, com o velho pai começou a demonstrar os primeiros sinais de infecção.

O diretor e roteirista Trey Edward Shults (cujo único trabalho anterior fora o drama Krisha, 2015, selecionado para a Semana da Crítica do Festival de Cannes e premiado no Independent Spirit Awards) não está preocupado em dar explicações. Paul, Sarah e Travis estão sozinhos, vivendo isolados em uma cabana no meio da floresta, aparentemente longe de tudo e todos. Sabem apenas que cada vez que saem de casa devem fazer isso de dia, rapidamente e com muito cuidado. Assim que anoitece, se trancam a sete chaves e torcem para que ninguém perceba que ainda há vida dentro daquelas paredes de madeira. Porém, é exatamente isso que pensa Will (Christopher Abbott, de O Ano Mais Violento, 2014), quando decide invadir o lugar no meio de uma madrugada em busca de mantimentos – ou ao menos é o que alega. Ele também tem esposa e filho para sustentar, e acreditava ter se deparado com um casebre abandonado. A partir do momento em que a situação de cada família é esclarecida e elas decidem se unir – juntos somos mais fortes – a narrativa de Ao Cair da Noite assume outra direção.

Veja bem, não estamos diante de um thriller convencional. Este não é um mero filme de terror, suspense ou ficção científica. Mais do que qualquer uma dessas definições pré-concebidas, temos uma história sobre seis personagens – três de um lado, três do outro – e as condições que os unem e, ao mesmo tempo, os separam. O que está lá fora é, obviamente, preocupante, mesmo não havendo esforço tanto do realizador quanto por parte dessas figuras ficcionais em explicitar o que os ameaça, ou porquê se encontram tão isolados. Afinal, o desconhecido é muito mais assustador. E é justamente esse o jogo que está sendo desenvolvido em cena. É por isso, também, que quando a ameaça parece vir de dentro da casa – e não de fora, como somos levados a acreditar até esse momento – tudo se torna ainda mais perigoso e, por que não, excitante.

Joel Edgerton é um grande ator, e carrega com extrema competência a tarefa de muito saber e pouco revelar. Mais afeito a produções menores como essa, ao invés dos desorganizados megaespectáculos hollywoodianos (Êxodo: Deuses e Reis, 2014, sério?), ele aqui aproveita com dedicação plena uma excelente oportunidade de demonstrar um talento superlativo para fazer render o pouco que lhe é oferecido. Abbott e Ejogo também executam com dedicação o que lhes é exigido, e Harrison Jr é uma revelação a se ficar atenta. Mas o bom resultado de Ao Cair da Noite atende por um nome, e esse é o de Trey Edward Shults. Não vá esperando por muitas respostas nem exija mais do que lhe é oferecido. O filme é do seu diretor, e ele sabe muito bem o que está fazendo. E se isso não é a arte de contar uma boa história, difícil apontar o que poderia estar no seu lugar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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