Crítica

Tirana, capital da Albânia. O governo aprova uma lei que autoriza a visita íntima nas penitenciárias. A abertura legal permite que Elsa (Luli Bitri) visite o marido na prisão. Uma vez por mês, a mãe de dois filhos deixa a cidade no interior com a desculpa de cuidar do marido no hospital. A mentira superficial encobre a vergonha da situação, assim como desencadeia outras mentiras – da protagonista para consigo própria.

Vindo da experiência de dois curtas-metragens, Anistia é escrito e dirigido por Bujar Alimani em sua primeira incursão no longa-metragem. O estilo praticado apresenta traços minimalistas, semelhantes aos de diretores da Europa Ocidental, como os irmãos Dardenne (O Garoto da Bicicleta, 2011, e O Silêncio de Lorna, 2008) e François Ozon (O Refúgio, 2009, e O Tempo que Resta, 2005). O tema abordado se desdobra em um alcance duplo, social e existencial. A estética tem preferência pela paleta escura, sem sobressaltos cromáticos. A narrativa, sobretudo, de evolução cadenciada e personagens introspectivos dá o tom da obra.

As viagens de Elsa para Tirana são sofridas e solitárias. A insistência nas cenas do seu rosto sem vida a mirar o horizonte expressa isso. Pela janela, as possibilidades de afagar o peito angustiado passam. E o espectador passa a compreender aos poucos os motivos. Não se trata apenas da vergonha do marido preso. É também isso, mas principalmente algo encoberto. O passado que desconhecemos, a repetição do sexo com hora e local marcados, a vida que deveria ter sido a dois e não foi. Os sentimentos que sustentam o esforço da visita, a admiração e o respeito, encontram o ocaso. Ela bem que tenta impedir, mas a distância e as situações moldam as pessoas. Sem diálogo, o homem antes amado se torna um estranho. A visita deixa de ser íntima e passa a ser uma obrigação.

No lugar em que vê desaparecer o seu homem e a razão para consolá-lo, Elsa encontra o gráfico Shpetim (Karafil Shena). Da mesma forma que a protagonista, ele visita a esposa presa. A desesperança os une. O amor renasce, agora então, como a possibilidade da felicidade prometida. Em uma sociedade de estruturas rígidas, o principal desafio não é a resolução pessoal. O envolvimento com outro homem faz Elsa perceber a sua dependência da família do marido, especialmente do sogro, com quem mora. Um novo relacionamento exige independência financeira e autonomia social, nada muito simples para a Albânia – ainda hoje. A relação se constrói como indesejada, misto de vergonha e arrependimento – desforra.

O embate da protagonista para atingir a liberdade, requisito necessário para recomeçar, segue o tom narrativo do filme. A câmera de Alimani não é exatamente tímida, pois faz questão de nos mostrar todas as cenas de sexo. O estilo reservado evita a tensão fílmica. Entretanto, esta postura questiona por si a maneira como são tratadas as questões importantes no país: entre o oculto e o proibido.

Quando o governo declara anistia e os presos voltam para casa, a vida de Elsa volta a se desestabilizar. Em uma cena final impressionante pelo simbolismo, o sogro atira na nora e no amante. A câmera sobe e assume o plano zenital, em um movimento clássico dos filmes de western. Os corpos preenchem o campo da tela, mas não houve duelo. Reside apenas a violência. Ao se deparar com a mulher e o estranho, o marido não compreende. É certo que compreenderá depois e justificará o pai, porque a violência assume várias formas. Por vezes, inclusive a da suposta justiça.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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