Crítica

Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 90 certas atrizes começaram a despontar e se consagraram como as melhores daquela geração, e até hoje continuam sendo respeitadas – umas com mais, outras com menos impacto. Entre elas estão Meryl Streep (que ganhou seus primeiros Oscars em 1980 e em 1983 e agora, novamente, em 2012), Sissy Spacek (oscarizada em 1980), Diane Keaton (oscarizada em 1977), Susan Sarandon (oscarizada em 1996), Sally Field (oscarizada em 1979 e em 1984) e Jessica Lange (oscarizada em 1982 e em 1994). Deste mesmo grupo, talvez a única com igual expressão mas que ainda carece deste tipo de reconhecimento seja Glenn Close, que somente na década de 1980 recebeu 5 indicações ao Oscar – perdendo em todas as vezes! E agora, 23 anos depois, finalmente recebeu sua sexta indicação, e por uma performance, por si só, merecedora de todos os aplausos e atenções. Mas é preciso contar também com a sorte, além do talento. E mesmo sua atuação neste Albert Nobbs sendo tão fantástica, não foi suficiente para superar o eterno favoritismo de Meryl no igualmente surpreendente A Dama de Ferro. Pobre Glenn!

É possível traçar um paralelo entre Glenn Close e Albert Nobbs com Salma Hayek e Frida (2002). A atriz mexicana se dedicou inteiramente e por anos ao projeto que contava a história da famosa pintora Frida Khalo, e mais por sua dedicação do que por seu desempenho acabou sendo indicada a praticamente todos os principais prêmios da crítica e da indústria, sendo saudada como uma das melhores daquele ano. No entanto, Hayek não ganhou um único prêmio de real e comprovada importância. Ou seja, estava sempre entre as finalistas, mas nunca era coroada. Pois foi exatamente o que aconteceu neste ano com Close. Este era um projeto que há anos ela lutava para tirar do papel, e tamanho esforço foi, obviamente, reconhecido por amigos e colegas. Mas é claro que não é só isso: ela está, de fato, surpreendente. Pena que não o bastante para eclipsar todas as demais performances femininas do ano. Por Albert Nobbs ela foi indicada ao Oscar, ao Australian Film Institute, ao Globo de Ouro, ao Satellite Awards e ao Screen Actors Guild. Mas vitória, mesmo, ela contabilizou apenas duas: uma no Festival de Tóquio e outra pelos críticos da Irlanda.

E esse fraco desempenho é merecido? Claro que não! Seu significado está muito mais direcionado aos méritos das demais atrizes que se destacaram nesse período do que em relação a um porém dela. Isso porque este é um filme que mostra em todos os mínimos detalhes o quão grande atriz ela é, e como todo esse tempo afastado dos holofotes e escondida em projetos independentes ou na televisão foi uma tremenda injustiça e um desperdício. Glenn Close, assim como Janet McTeer (também indicada ao Oscar, como coadjuvante), estão verdadeiramente soberbas, ambas encarando de peito aberto um desafio que facilmente poderia cair na caricatura: em Albert Nobbs, as duas aparecem interpretando homens!

Glenn Close é o próprio Albert Nobbs do título, o mordomo de um pequeno hotel. Esse, ao menos, é o nome que ela usa para se apresentar a todas as demais pessoas que estão ao seu redor. Órfã ainda criança, cedo descobriu como era difícil para uma garota se virar sozinha nas ruas sem ter alguém que a amparasse. Assim, quase que instintivamente, passou a se vestir e a se comportar de um modo masculinizado, até como uma estratégia de sobrevivência. E isso perdurou pelo resto de toda a sua vida. Algo muito similar aconteceu com Hubert Page (McTeer), que atualmente é casado (com uma mulher) e vive muito bem sua condição. A diferença entre elas, no entanto, começa quando as portas e as janelas se fecham e as luzes se apagam. Hubert é uma mulher, que ama outra mulher e tem plena consciência disso. Seu estilo de vida é algo natural em si, que não lhe trás nenhuma preocupação além das mais óbvias, relacionadas principalmente à sociedade em que vivem. Com Nobbs, no entanto, tudo é muito diferente. O problema é interno, muito mais do que externo. Trata-se de uma pessoa que passou tanto tempo se escondendo de tudo e de todos que, hoje em dia, nem sabe mais quem é. Homem ou mulher? Seus desejos existem? Onde estão seus interesses? O que é sexo para ela? Existe a possibilidade de prazer ou, no fundo, qualquer esforço não tem a ver muito mais com uma vontade bastante básica de ter alguma companhia e evitar a solidão que desde sempre lhe acompanha? Questões fortes e profundas que somente uma atriz fenomenal poderia dar luz com tamanha simplicidade e delicadeza.

Albert Nobbs, o filme, foi também indicado ao Oscar de Melhor Maquiagem e ao Globo de Ouro de Canção Original, pela música Lay your head down, composta pela própria Glenn e musicada por Brian Byrne. Indícios que comprovam o cuidado que o filme também teve em tudo que se refere à parte técnica da produção. E, apesar de ser dirigido por Rodrigo Garcia (filho de Gabriel Garcia Marques e amigo de Glenn Close desde que trabalharam juntos em Coisas que você pode dizer só de olhar para ela, em 1999), este é um projeto inteiramente feito por e para Close (que também produziu e escreveu o roteiro). Em cada singelo olhar, virada de pescoço, movimento corporal, entonação de voz, tudo está a serviço de uma intérprete singular entregue ao personagem que defende. São poucos os deslizes que podem ser apontados na produção – o roteiro um tanto previsível, a ambientação demasiadamente teatral – ainda mais diante de tantas qualidades, que se estendem também aos demais notáveis coadjuvantes: Mia Wasikowska (Inquietos, 2011), Pauline Collins (Shirley Valentine, 1989), Brendan Gleeson (Harry Potter e o Cálice de Fogo, 2005), Aaron Johnson (Kick-Ass – Quebrando Tudo, 2010), Brenda Fricker (Meu Pé Esquerdo, 1989) e Jonathan Rhys Meyers (Match Point, 2005). Uma oportunidade bastante rara de se apreciar um time de atores em plena excelência, capitaneados por uma intérprete de primeira linha. E que um dia ainda será reconhecida à contento.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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