A Linguagem do Coração
Crítica
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Sinopse
Marie Heurtin nasceu surda e cega, e por isso cresceu isolada do resto do mundo. Jogada em convento, ela entra em contato com a irmã Marguerette, que ganha a sua confiança aos poucos, arranjando modo de fazer com que Marie se expresse.
Crítica
Baseado em fatos ocorridos no fim do século XIX, A Linguagem do Coração aborda a afinidade singular entre uma menina surdocega e a freira que aceita a árdua tarefa de orientá-la. Marie Heurtin (Ariana Rivoire) tem uma conexão prioritariamente tátil com o mundo, haja vista a cena simples e poética dela sentindo os raios de sol com as pontas dos dedos ao ser conduzida, literalmente amarrada, pelo pai ao convento. Presa em suas restrições, incapacitada de entender e de ser entendida, ela se revolta constantemente sob a proteção das religiosas. Margueritte (Isabelle Carré), que está à beira da morte em virtude de uma doença incurável, toma para si a missão de construir pontes antes inimagináveis, que visam ligar essa jovem assustada com o entorno que lhe parece somente um emaranhado misterioso de sensações e sentimentos, pois sem a ordenação propiciada por códigos e signos.
No que tange ao relacionamento entre a menina e a tutora, temos em A Linguagem do Coração um caminho mais ou menos reconhecível, utilizado amplamente em obras similares. Há o severo problema de comunicação, superado penosamente no decorrer da trama. A mudança semeia vínculos inquebrantáveis. Contudo, essa previsibilidade é compensada pela sobriedade do diretor Jean-Pierre Améris na condução das protagonistas e de suas motivações. Ele não força a mão no entrelaçamento das dificuldades e das necessidades de ambas, deixando, assim, as coisas fluírem com uma naturalidade que diminui os danos decorrentes do frágil roteiro. Os primeiros e enervantes momentos, em que parece impossível conseguir de Marie o desempenho de funções simples, dão lugar aos belos instantes que deflagram a improvável assimilação da linguagem dos sinais e das regras cotidianas.
A morte, tema subterrâneo em A Linguagem do Coração, se impõe adiante com peso definidor, já que Margueritte precisa encarar a iminência de sua finitude. O enfrentamento da perda é também imposto a Marie. Em breve morrerá sua referência, a amiga encarregada de lhe ensinar como comportar-se, aquela que a tirou do isolamento no qual estava confinada. Não à toa, numa conversa aparentemente prosaica, a freira e a madre superiora interpretada por Brigitte Catillon utilizam as palavras-chave “revelação” e “milagre” com conotações banais, distante de seus hábitos, ou seja, em âmbitos ordinários. Neste filme, embora o cenário seja um convento, não há imposição do entendimento pelos mecanismos da fé, como se algum poder divino tivesse efetiva e irremediável participação no aprendizado mútuo. As dádivas advêm fundamentalmente do humano, dessa competência de importar-se com o outro.
O adensamento dos elos garante a carga emocional de A Linguagem do Coração. Acompanhamos o fortalecimento paulatino de uma relação que começa conflituosa, por conta da incomunicabilidade, mas cuja evolução está estritamente ligada ao conceito de fraternidade. Margueritte guia Marie em direção ao futuro que, infelizmente, não poderão compartilhar, senão pela via da lembrança, por meio dos rastros da amizade que mudou suas vidas. A despeito de certas facilidades, como a contraposição marcada entre a irascibilidade inicial da garota e suas demonstrações posteriores de extremo afeto, e do caráter pouco sutil, afinal tudo é muito dito e/ou expressado para que não existam dúvidas, Jean-Pierre Améris realiza um longa-metragem comovente, sem para isso pesar no sentimentalismo, deixando que os encontros, bem como os afetos deles decorrentes, se encarreguem de evocar a beleza.
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