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Sinopse

Amy Winehouse é uma jovem britânica com voz privilegiada e talento de compositora. Após alcançar as paradas de sucesso e aparentemente encontrar o grande amor, ela entra em processo de declínio por conta da dependência afetiva ampliada pelo alcoolismo.

Crítica

A diretora britânica Sam Taylor-Johnson já havia encarado com brios e méritos a difícil tarefa de cinebiografar um enorme nome da música. Com O Garoto de Liverpool (2009) ela certamente não fez o filme definitivo sobre John Lennon, mas talvez o resultado de seus esforços seja tão interessante exatamente porque ela resistiu a essa pretensão. A produção não tentava cobrir a trajetória inteira de um dos cantores/compositores mais conhecidos do século 20, mas recortar parte de sua vida e a partir disso nos oferecer uma chave. Em Back to Black, Sam foge inicialmente, e com certa habilidade, de lugares-comuns das cinebiografias musicais. A começar pelo estabelecimento do iminente estouro da artista nas paradas de sucesso como o ponto de partida da trama – o filme cresce pelo fato de não termos um resumo superficial iniciado na infância. Outro aspecto positivo do longa-metragem é que o roteiro assinado por Matt Greenhalgh não explica e/ou desvenda o comportamento irascível de Amy Winehouse, evitando psicologismos simples que, por exemplo, pudessem associar a sua personalidade vulcânica à configuração familiar ou algo semelhante. Ainda a respeito das coisas a serem comemoradas, o desempenho de Marisa Abela (atriz pouco conhecida) é mais do que convincente, pois ela consegue expressar bem tanto a genialidade quanto as oscilações típicas (e conhecidas) de Amy.

Na primeira metade de Back to Black, Sam Taylor-Johnson consegue mostrar Amy Winehouse como uma artista de rara sensibilidade, alguém que compunha com base em experiências reais e geralmente dolorosas. Aliás, tendo isso em vista, a realizadora é perspicaz distribuindo ao longo da trama os sucessos do álbum que dá nome ao filme, principalmente para que fiquemos com a sensação de que a obra e a intimidade da protagonista são umbilicalmente ligadas. Chegam a ser empolgantes alguns momentos da metade inicial da cinebiografia, pois parece que realmente a realizadora vai conseguir contornar os clichês mais irritantes desse modelo de história e ainda oferecer um panorama instigante da artista que morreu precocemente aos 27 anos. No entanto, as coisas entram em rápida curva descendente justamente quando é preciso mostrar Amy lidando mal com determinados aspectos da vida. Principalmente as tensões amorosas encaradas na companhia de Blake (Jack O'Connell), com quem inicia um tórrido romance marcado pela dependência sentimental dela em relação a ele. Nesse ponto começam a surgir os dados problemáticos da produção. Marisa Abela continua dando conta do recado, gradativamente precisando expressar a descida ao inferno da artista genial que foi se deteriorando por conta do alcoolismo e da subordinação a um relacionamento amoroso que não parece tão correspondido.

Exibindo certas tendências chauvinistas, Black to Black abandona o interesse pela complexidade humana de Amy Winehouse, algo presente na sua primeira (e melhor) metade. Ele apresenta um painel quase estereotipado da deterioração psicológica e física dessa personalidade corrosiva que rapidamente evadiu divisas e se tornou reconhecida mundialmente. Mitch (Eddie Marsan), o pai da autora de grandes sucessos como “Rehab”, é desenhado como incentivador que às vezes pressiona a filha, mas sempre para evitar que ela ceda a impulsos autodestrutivos. Factualmente uma figura controversa, Mitch aparece na cinebiografia como responsável por amparar a filha famosa e ainda fornecer o ambiente artisticamente fértil para ela soltar a voz de vez em quando. Já seria estranho o roteiro dar as costas à realidade e passar por cima das polêmicas envolvendo Mitch, mas ele também atenua (para dizer o mínimo) a influência negativa de Blake na vida da cantora. O igualmente contestável ex-marido é apresentado como um porra louca, mas definido como uma voz menos insensata do que a de Amy nos vários debates (e embates) entre marido e mulher. No fim das contas, Blake faz mal a si mesmo, tendo espaço até para demonstrar o seu descontentamento com a opinião pública que o considera má influência. Portanto, os homens importantes para Amy Winehouse ganham o que comumente chamamos de “passada de pano”.

A diretora Sam Taylor-Johnson afrouxa as rédeas do enredo desde o princípio dessa trajetória decadente, pois insiste em imagens repetitivas de paparazzi importunando Amy, apaga personagens (a mãe é figurante de luxo) e não lida bem com as nuances desse naufrágio pessoal testemunhado (e alimentado) pela mídia. Além disso, simplesmente desaparece a habilidade inicial para sintetizar o essencial sem ser prolixa ou vaga, dando lugar a uma sucessão de episódios atropelados que marcam um declínio cinematograficamente apressado. Marisa Abela, que canta muito bem, por sinal, merece reconhecimento por chegar perto do timbre privilegiado de Amy Winehouse. Ela se mantém como o destaque positivo, mesmo quando a produção degringola ao se transformar no testemunho raso da derrocada de uma mulher extremamente talentosa, geniosa, mas infelizmente refém do alcoolismo e da dependência afetiva de Blake. Essa mudança de estatuto entre as metades inicial e final de Back to Black são chamativas ao ponto de parecer que estamos vendo filmes diferentes – sendo no começo uma bem-vinda exploração da estrela em ascensão e no término um registro quase sensacionalista de alguém aparentemente fadada à tragédia. Sam Taylor-Johnson inexplicavelmente formula um juízo de valor a respeito das responsabilidades por esses dramas todos, atribuindo-as à maneira de Amy Winehouse lidar com a fama e os amores. Os demais personagens são tragados ao redemoinho.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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