Intérprete de Bia em O Som ao Redor (2012), Maeve Jinkings nasceu em Brasília (DF). Aos cinco anos foi com a mãe e irmã para Belém do Pará, onde se formou em Comunicação Social. Em 2000, seguiu para São Paulo para estudar com grandes mestres do teatro brasileiro, tais como o diretor Antunes Filho. Em 2006 aceitou o convite para atuar em Falsa Loura, de Carlos Reichembach (falecido em junho de 2012). Ligia, uma professora da rede municipal que mora na periferia paulistana, foi o primeiro papel no cinema.

Em 2009 viveu sua primeira experiência profissional em Recife, quando convidada a filmar o curta-metragem Passageira S8 de Bidu Queiroz. Em 2010, morando temporariamente na capital pernambucana, volta a fazer cinema em O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho. Na sequência, Maeve participou de Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e de Boa sorte, meu amor, do diretor estreante Daniel Aragão, ambos exibidos no 40° Festival de Cinema de Brasília. Ainda inéditos permanecem o longa Amor Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro (curta-metragista de Superbarroco e Praça Walt Disney), e o curta-metragem Loja de Répteis, de Pedro Severien. Sobre estes e outros trabalhos que o Papo de Cinema conversou com a atriz, num bate-papo inédito e exclusivo! Confira!

 

De que maneira surgiu a oportunidade de atuar em O Som ao Redor?

Em maio de 2010, estava com minha família passando uma temporada em Recife. Tinha conhecido a cidade cerca de um ano antes, como turista, e me apaixonei pelo cenário cultural, pela luz, pelas cores, pelo horizonte. E principalmente pela autenticidade do artista pernambucano. Decidi sair de São Paulo e experimentar viver essa paixão por Pernambuco. Como minha formação é de teatro de grupo, e estava aqui recém chegada, me sentia sozinha artisticamente. Tava querendo outras experiências. Então fui procurar coisas que pudesse fazer sozinha enquanto artista. Já tinham me falado do teste pro filme, mas não tinha dado muita bola, buscava fugir um pouco da atuação. Fui fazer um curso de fotografia, e lá uma colega do curso me trouxe num pedacinho de papel rasgado, o nome do filme, do diretor, e o endereço onde deveria ir fazer o primeiro teste. Reconheci o nome de Kleber cujos textos lia no JC (Jornal do Commercio) e achava sempre muito bons. Também havia assistido recentemente o Recife Frio. E decidi tentar.

Cena de O Som ao Redor

Como foi trabalhar com Kleber Mendonça Filho em seu primeiro longa ficcional?

Kleber me impressionou já na direção do teste. Quando ele finalmente me chamou pra filmar, e recebi o roteiro completo, fiquei chapada. Era literatura! No sentido de que era fluido, orgânico. Ele é muito sensível e observador, deixa espaço pra criação do ator, além de ser muito calmo. Dizia que não estava habituado com atores profissionais, que não entendia muito bem o funcionamento do ator. Mas na verdade ele sabia tão objetivamente o que queria de cada cena, que nos entendíamos rapidamente. Era uma comunicação muito fácil. Além disso, me identifico com o olhar dele pro mundo, pro nosso país, as observações que faz com inteligência certeira, unindo seu humor ácido e sua generosidade sobre a condição humana. Um diretor que permite tanto tempo de câmera sobre personagens em silêncio, descabelados fazendo coisas simples, cotidianas. Um artista que se debruça sobre o comum, sobre o banal, pra trazer um olhar extraordinário sobre nós e nossos comportamentos rotineiros… coisas que já não percebemos sozinhos. Sem espetacularização, sem glamour. Acho muito generoso.

 

O Som ao Redor chega ao circuito comercial coberto de prêmios e recomendado por comentários positivos da crítica especializada, dentro e fora do Brasil. Como você tem recebido tudo isso, e o que mais lhe agrada no filme?

Tenho recebido isso com um misto de surpresa e naturalidade. Porque eu, honestamente, achei o filme poderoso desde a primeira leitura de roteiro. Na casa onde funcionava a base do filme e durante toda a preparação, havia entre a equipe uma espécie de faísca no ar. Então pensei “Esse roteiro captou algo muito latente que diz respeito a todos nós. Uau, isso é um excelente começo“. No set de filmagem essa sensação cresceu muito ainda. Acho que uma equipe sente quando está fazendo algo especial… mas ao mesmo tempo algo sempre pode dar errado na próxima fase do processo, então tentava não criar tanta expectativa. Tive que controlar a ansiedade (risos). De qualquer forma, confesso que não imaginava que iríamos tão longe como o filme tem ido. Quem podia imaginar? Acho que nem Kleber poderia ter sido tão otimista. A carreira desse filme está sendo fantástica! E sinceramente acho que merece tudo que está acontecendo, é bonito ver esse olhar tão sincero reverberar mundo afora.

Ao lado de Rosane Mulholland em Falsa Loura

Acredita que O Som ao Redor encontrará seu público, tendo em vista a dificuldade do nosso mercado exibidor, ainda duro para o filme nacional?

Isso é uma incógnita. Aposto na qualidade do filme de captar nossa história, aposto nessa identificação. Estou curiosa, porque por mais sucesso que tenha feito até esse momento, o público é uma massa heterogênea, imprevisível. Me choca ainda como esse mercado familiariza o público com uma cultura importada (quase sempre dos EUA). Sabemos pouco sobre nós mesmos, e não estamos em igual condição de brigar por espaço. Quanto uma produtora americana dispõe pra divulgar seus filmes? Provavelmente mais do que gastamos no nosso filme inteiro! Eles entram em nosso mercado chutando a porta da frente. Isso acontece em praticamente toda América Latina, e torço muito pelo fortalecimento de um cinema nacional com identidade própria, que fale de si com seu próprio ritmo e sotaques e sons. Que a gente possa ser a gente mesmo, e não queira ser Hollywood. Nada contra eles, pois sabem fazer cinema com maestria. Mas não quero ser a Nicole Kidman. Quero ser eu mesma, uma atriz brasileira, latina, falando sobre a condição humana como a que experimento. Esse é provavelmente um de meus sonhos.

 

Muito se fala do fértil momento do cinema pernambucano. A que fatores atribui a ótima safra de filmes filiados, sobretudo, a artistas recifenses?

Exatamente essa honestidade consigo do qual eu falava! Acho que Pernambuco me apaixona e me atrai exatamente por essa característica. Os artistas daqui têm muito orgulho de sua cultura, têm um olhar bastante crítico sobre si mesmos, ao mesmo tempo em que estão interessados no que se passa pelo mundo, e é possível ver isso na obra deles. Não estão tentando agradar, buscam fazer cinema e arte do jeito que são! Isso significa VERDADE. E me parece que isso interessa ao resto do mundo… é o que a trajetória desses filmes têm mostrado. A música pernambucana também viveu isso recentemente, artes plásticas, literatura… são uns danados. Se for ver a história, eles têm uma tradição de lutas, de revoluções locais, de chamar o mundo pra si também, ao invés de só querer ir pro mundo. E é preciso reconhecer que o cinema conquistou condições muito boas de produção, de editais, de orçamento pro audiovisual local, de formação profissional. Lutaram muito por isso. E continuam lutando.

Quais seus próximos projetos, seja em cinema, teatro ou televisão?

Acabo de filmar em Recife um curta (Loja de Répteis), e antes disso, filmei o longa Amor Plástico e Barulho, da Renata Pinheiro, sobre uma banda de brega, no qual interpreto a cantora. Foi um processo belíssimo, e provavelmente a personagem mais desafiadora de minha carreira até este momento. Ambos devem estrear em 2013. Além disso, tenho projeto pra filmar ainda este ano em Recife com Daniel Bandeira (Amigos de Risco, 2007) e Leonardo Lacca. E no final do primeiro semestre filmo em São Paulo um curta de Gabriela Amaral, diretora baiana radicada em SP. Tenho também um projeto de teatro com René Guerra, cineasta incrível alagoano também radicado em SP. É curioso que esse retorno ao teatro se dê por meio do cinema, porque quando vim pra Recife filmar me senti abandonando o teatro, então esse retorno vai ter um sabor especial, que vamos processar lentamente e no tempo que for necessário. Sem pressa.

 

(Entrevista feita por email em 03 de janeiro de 2013)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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