Os jovens cinéfilos e curiosos podem estar se perguntando: este não é o pai da Angelina Jolie? Pois é ele mesmo, tanto na vida real como na ficção, como visto no único encontro – até então – dos dois na tela grande, na aventura Lara Croft: Tomb Raider (2001). Porém se hoje em dia ele parece destinado a participações especiais em projetos de grande prestígio – como o recente Animais Fantásticos e Onde Habitam (2016), em que aparece como o magnata Shaw Senior – é melhor não se enganar: Jon Voight foi, entre os anos 1960 e 1990, um dos maiores nomes de Hollywood. Vencedor de um Oscar, foi indicado outras três vezes ao maior prêmio do cinema mundial. Além disso, foi indicado onze vezes ao Globo de Ouro (ganhou quatro) e é dono de um Bafta e de um troféu no Festival de Cannes! Com quase cem créditos diferentes em sua filmografia, entre trabalhos no cinema e na televisão, alterna com a mesma desenvoltura superproduções como Transformers (2007) e projetos mais respeitados, como a adaptação O Homem que Fazia Chover (1997), de Francis Ford Coppola. É por isso que, ao completar mais um aniversário neste 29 de dezembro, nós do Papo de Cinema o homenageamos com uma seleção de suas cinco melhores atuações, além de apontar mais uma que merece ser (re)descoberta! Confira!

 

midnight-cowboy-papo-de-cinemaPerdidos na Noite (Midnight Cowboy, 1969)
– por Bianca Zasso
Em 1969, ano de lançamento do filme, a geração de diretores da chamada Nova Hollywood dava os primeiros passos na conquista do público e da crítica ao retratar na tela a realidade crua da juventude americana. O personagem de Voight, Joe Buck, é o modelo do cowboy que deixa o Texas pensando em fazer fortuna na movimentada Nova York usando seu charme. O problema é que as mulheres da cidade não são como as senhoras do interior e seu plano acaba indo por água abaixo. Durante suas perambulações pela noite, ele encontra Ratso (Dustin Hoffman) e começa uma amizade insólita. Voight tem na produção uma de suas melhores atuações, interpretando sem maneirismos o típico texano com ego inflado, que terá suas ilusões de sonho americano destruídas pela realidade das áreas mais pobres na Big Apple. Ao lado de Hoffman, constrói uma parceria em cena que prende o espectador por fugir do glamour das décadas anteriores, apresentando uma juventude perdida, marcada pela guerra e que parece não enxergar luz no fim do túnel. Voight recebeu uma indicação ao Oscar, mas acabou não levando a estatueta. No entanto, sua interpretação é eterna e ainda inspiradora.

 

deliverance-papo-de-cinemaAmargo Pesadelo (Deliverance, 1972)
– por Leonardo Ribeiro
Após alguns trabalhos menos comentados, que sucederam a aclamação por seu desempenho em Perdidos na Noite (1969), Jon Voight retornaria aos holofotes da crítica, sendo indicado ao Globo de Ouro, neste longa de John Boorman, hoje considerado um clássico absoluto dos dramas de sobrevivência. Na trama, baseada no livro de James Dickey, quatro amigos – Ed (Voight), Lewis (Burt Reynolds), Drew (Ronny Cox) e Bobby (Ned Beatty) – decidem descer de canoa um rio das florestas da Geórgia, antes da construção de uma represa. Durante a aventura, eles acabam confrontando tanto as forças naturais quanto os descontentes habitantes locais. Através de uma atmosfera extremamente realista de tensão e violência, Boorman cria uma magnífica reflexão sobre os embates entre homem e natureza, e entre o dito civilizado e o selvagem. Ainda que Reynolds tenha sido o nome alçado ao estrelato pela fita, Voight acaba assumindo o protagonismo, passando pela transformação mais radical da história. Inicialmente o membro mais centrado do grupo, Ed se entrega aos seus instintos primitivos após presenciar, impotente, o chocante estupro de Bobby por um dos nativos. O ator se mostra exemplar no modo como transmite os efeitos traumáticos da jornada, que acompanham seu personagem até a marcante cena final.

 

coming-home-papo-de-cinemaAmargo Regresso (Coming Home, 1978)
– por Marcelo Müller
O cinema norte-americano abordou de diversas maneiras a Guerra do Vietnã. Nesse cenário, destacam-se as críticas amargas de Hollywood ao conflito nos anos em que vicejava o cinemanovismo, quando a geração que espelhava nas telas a contracultura das ruas tomou de assalto o grosso da produção cinematográfica estadunidense. Jon Voight – que muitos apreciadores de cinema mais jovens infelizmente conhecem somente por ser o pai de Angelina Jolie – interpretou neste filme de Hal Ashby um veterano marcado física e psicologicamente pela intervenção malsucedida. Paraplégico, ele retorna aos braços do Tio Sam para tentar seguir adiante. O envolvimento amoroso com a voluntária (casada) vivida por Jane Fonda traz consequências nefastas para todas as partes envolvidas. E Voight, um grande ator, de fato, constrói esse homem com muita sensibilidade, mostrando sutilmente as dificuldades pelas quais ele passa a fim de se adaptar à herança que a Guerra lhe deixou, ao passo em que expressa paixão pela mulher que sofre por não poder vivenciar a nova relação plenamente. Além do aproveitamento das restrições inerentes à condição do personagem enquanto elemento dramático, Jon Voight transmite a brutal frustração de quem não vislumbra um final feliz, embora cultive a esperança.

 

expresso-para-o-inferno-papo-de-cinemaExpresso para o Inferno (Runaway Train, 1985)
– por Robledo Milani
O material é de peso. Afinal, estamos falando de um roteiro de Akira Kurosawa, concebido para marcar a estreia do realizador japonês em Hollywood. Problemas diversos acabaram abrindo espaço para o russo Andrei Konchalovsky (Paraíso, 2016) assumir a direção desta trama que seria precursor de obras recentes como a escapista Incontrolável (2010) ou o emblemático Expresso do Amanhã (2013). Em resumo, temos dois homens, ambos fugitivos da uma prisão de segurança máxima, que ao tentarem escapar embarcam em um trem desgovernado que, sem eles saberem, está indo rumo a um destino trágico. Jon Voight e Eric Roberts interpretam os protagonistas – ambos, aliás, indicados ao Oscar por estes desempenhos. E se o irmão mais velho de Julia Roberts aparece como o novato disposto a arriscar tudo, é o pai de Angelina Jolie que entrega o tipo mais complexo, o bandido linha dura que se mete nessa enrascada pensando apenas em si, mas acaba sendo responsável pela grande decisão que selará o destino de todos os envolvidos. Seu personagem está em uma situação limite, e mesmo dono de modos bruscos e atitudes irascíveis, acaba conquistando a atenção do público, que mesmo sem perceber acaba torcendo pelo vilão!

 

ali-papo-de-cinemaAli (2001)
– por Victor Hugo Furtado
Em um esforço dramático e sensitivo, Jon Voight encarna o prestigiado e regular jornalista esportivo norte-americano Howard Cossell, nesta produção que explora a vida do multifacetado boxeador Cassius Clay, ou mais precisamente, Muhammad Ali, o atleta mais rebelde e prolífico do século XX. Apesar desta produção carecer de um certo apuro técnico e de um apelo mais carismático, já que a grande atuação de Will Smith como protagonista é sucumbida por um roteiro destoante do prometido, Voight explora o inanimado, buscando trazer um pilar para a parte moral e tática da trama, ou até mesmo, incluindo em seus diálogos uma desenvoltura mais do que verossímil de alguém que está coberto por uma camada nobre da mais pura maquiagem que Hollywood pode oferecer. Como resultado desse desafio assumido pelo próprio ator como “algo que eu nunca pensei que faria“, foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, fato que não voltou a se repetir, até então.

 

+1

 

O Campeão (The Champ, 1979)
– por Robledo Milani
Clássico da Sessão da Tarde, esse drama do diretor italiano Franco Zeffirelli levou meio mundo às lágrimas com a história de um lutador de boxe que enfrenta a maior luta da sua vida em uma batalha nos tribunais com a ex-esposa pela guarda do filho pequeno. Se seria natural que, após a separação do casal, a criança ficasse com a mãe, a trama acaba pendendo para o lado paterno pois se trata de um caso de abandono materno. Sete anos depois de ter ido embora, ela volta, decidida a levar o menino consigo – algo que nem o pai, e nem mesmo o garoto, querem. Dramalhão no sentido mais apropriado do termo, o longa – que, na verdade, é a terceira versão do romance de Frances Marion, após o homônimo O Campeão (1931), de King Vidor e com Wallace Berry e o pequeno Jackie Cooper, e de O Palhaço (1953), de Robert Z. Leonard, com Red Skelton e Tim Considine – tem em Jon Voight a figura do pai perfeito, másculo quando necessário, mas também sensível e dedicado sempre que preciso. Ricky Schroder (que ganhou o Globo de Ouro de revelação) é o filho, enquanto que Faye Dunaway surge como a mãe em busca do tempo perdido. Mas é em Voight que a verdadeira força do filme se concentra. Indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Ator em Drama, acabou sendo esnobado no Oscar, no qual o filme figurou com uma única indicação, na categoria técnica de Melhor Trilha Sonora Original. Certo fizeram os japoneses, cuja Academia de Cinema do país apontou esse como um dos cinco melhores filmes estrangeiros daquele ano!

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