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Crítica
O espectador brasileiro talvez não tenha a real percepção de quem é Neil Patrick Harris dentro da cultura hollywoodiana. Ator conhecido por pequenas participações em longas como Tropas Estelares (1997) e Garota Exemplar (2014), ou por séries recentes como How I Met Your Mother (2005-2014) e Desventuras em Série (2017-2019), segue sendo visto pela grande maioria da audiência norte-americana como um dos raros casos de astros que foram revelações quando jovens, e seguiram presentes na mídia, com maior ou menor impacto, mas de forma bem-sucedida, até à idade adulta. Vencedor de 5 Emmys, estourou para a fama com apenas 15 anos quando se tornou protagonista da série Tal Pai, Tal Filho (1989-1993), que teve quase 100 episódios e lhe rendeu a segunda – das quatro recebidas até o momento – indicação ao Globo de Ouro (a primeira havia sido no ano anterior, como coadjuvante de cinema por O Coração de Clara, 1988, que estrelou ao lado de Whoopi Goldberg). É também um notório ativista da causa LGBTQIA+, principalmente desde que tornou público o casamento com o também ator David Burtka e a adoção dos filhos Gideon e Harper. Justamente por tudo isso, vê-lo em Uncoupled, série na qual interpreta não apenas um homem maduro – distante daquela imagem quase infantil que muitos ainda retém na memória – mas, também, gay – indo de encontro com sua persona pública – gerou bastante expectativa. E quanto mais se espera, maior a possibilidade de decepção.
Michael (Harris) está há quase vinte anos casado com Colin (Tuc Watkins, de The Boys in the Band, 2020), por quem segue apaixonado. Esse, mais velho, porém, está entrando em uma tardia crise de meia-idade, e no dia de sua festa de aniversário de 50 anos decide sair de casa e abandonar o companheiro – só que sem avisá-lo antes, que só fica sabendo da ‘novidade’ durante a festa-surpresa que organizou em comemoração à data que deveria ter sido especial. Acabou sendo, claro, mas por outro motivo. Agora, sozinho, ou “descasado”, como seria uma tradução aproximada do título, Michael precisa reaprender a levar sua vida como um, e não mais dois. Ainda que, como logo será possível verificar, só, mesmo, ele dificilmente estará. Afinal, o programa se encarrega de providenciar de imediato um elenco de coadjuvantes que irá dificultar essa percepção acerca do “enferrujado que precisa mais uma vez se arriscar na selva da solteirice”. Da colega de trabalho aos melhores amigos, passando por uma cliente que se tornará próxima mais até do que ele gostaria, opções não lhe faltarão como suporte para ‘o inverno que se aproxima’.
Se por um lado é pertinente acompanhar um homossexual já próximo do meio século de vida tendo que lidar com as agruras da busca de um parceiro não só para sexo, mas também de realizações e cumplicidade, como em tantas outras produções heteronormativas vistas dentro desse mesmo espectro narrativo, por outro o resultado se mostra perigosamente redundante uma vez que essas diferenças entre gay x hétero, homem x mulher, jovem x maduro são diluídas dentro de uma trama não muito preocupada em avançar na proposta a qual teria se anunciado a princípio. Primeiro, que Michael passa a maior parte do seu tempo acompanhado, se não pelos amigos ou colegas, por novos candidatos a ocupar o posto ao seu lado que ficou vago. Há as crises de ciúmes, as inseguranças a respeito do futuro, a adaptação a um estilo de vida mais individual. Mas essas serão transições quase sempre tranquilas, seja pelo amparo que recebe daqueles por perto, como também pela estrutura que tem a seu dispor. Afinal, está aqui se falando de um homem branco e cis, com um bom emprego, dispondo de condições de comprar um apartamento elegante numa área de prestígio em Nova York, e ainda assim ter o suficiente para aproveitar dos prazeres ao seu alcance. Não se trata de alguém em depressão e trancado no seu quarto sem ter para onde ir, portanto.
Mais ainda do que Patrick Harris, a grande mão por trás de Uncoupled é mesmo a do produtor e showrunner Darren Star. Quem não está ligando o nome à pessoa, aqui cabe uma explicação: Star é o responsável por séries como Sex and the City (1998-2004) e Emily em Paris (2020-2021), ou mesmo fenômenos ainda mais antigos, como Barrados no Baile (1990-2000) e Melrose (1992-1999). Qualquer um com o mínimo de familiaridade sabe bem o que esperar do roteirista. Há riqueza e glamour por todos os lados, uma característica que se torna evidente pela profissão de Michael – é corretor de imóveis de luxo – e pela inserção da personagem Claire, a milionária – e recém-divorciada – cliente do protagonista, interpretada pela oscarizada – e sempre excelente – Marcia Gay Harden. Mesmo numa postura coadjuvante, ela rouba a cena a cada aparição, oferecendo um tipo um tanto alienado, mas ainda assim verossímil, pela fragilidade que por vezes se permite transparecer, como também pela singela amizade que irá desenvolver com o homem que deveria apenas servi-la, mas com o qual descobrirá uma curiosa afinidade. Nesse mesmo aspecto, Tisha Campbell (vista há pouco em Empire: Fama e Poder, 2018-2019), como Suzanne, também é eficiente em garantir sua parcela de atenções. As duas oferecem um contraponto feminino ao conjunto, mostrando que certas amarguras independem de sexo.
Se Brooks Ashmanskas (Julie & Julia, 2009), o galerista, consegue maior profundidade em sua relação com o casal recém desfeito, Emerson Brooks (MacGyver, 2016-2019) enverga com tanta naturalidade a condição de apresentador de televisão que troca de namorado como quem altera o figurino que somente no final da temporada é que conseguirá oferecer algo além do garanhão insensível ao qual se dedicou. Diante desse cenário, Patrick Harris não tem muito pelo que se esforçar para dominar a ação, indo desde as surpresas habituas – a falta de cerimônia dos jovens quanto aos relacionamentos, as práticas atuais que desprezam o sexo seguro, o receio de se envolver com outra pessoa de modo muito rápido, como se etapas fossem necessárias a serem cumpridas nesse processo – até o passo a passo rumo ao esquecimento das antigas promessas e superar o fato de que, aquilo pelo qual tanto sonhara, não mais existe. Há uma forte possibilidade de identificação nesse conjunto, por mais particular que o mesmo possa se apresentar.
Mesmo assim, talvez o maior dos méritos de Uncoupled seja mesmo a sua rápida duração – são apenas 8 episódios de meia-hora cada – o que de certa forma condiz com uma inevitável frivolidade verificada em muitas das abordagens empreendidas pelo roteiro. Se no maior sucesso de Darren Star se tinham quatro amigas solteiras – e jovens – lutando por um espaço de brilho na capital do mundo, dessa vez eis presente apenas um homem, que não por acaso é gay, mas também com muita bagagem acumulada, tentando descobrir qual o seu lugar nesse novo mundo ao qual agora se encontra não por vontade própria, mas por necessidade imposta pelas condições. Poderia ter resultado em algo mais incisivo, profundo e até mesmo revelador. Mas, se assim fosse, não seria pelas mãos de quem tornou o seriado realidade. E se tantos outros poderiam ter feito melhor, será que teriam oferecido a uma minoria a condição de protagonista? Entre perdas e ganhos, há aqui o início de uma conversa, no mínimo, digna de atenção. Resta esperar para descobrir se novas – e eventuais – temporadas se encarregarão de assumir tal debate. E com a relevância que o mesmo merece.
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