Crítica


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Sinopse

Monkey D. Luffy é um jovem que deseja se tornar o rei dos piratas. Na companhia de uma equipe de leais e habilidosos navegadores, bem como utilizando seus poderes especiais. ele embarca numa aventura pelos mares.

Crítica

One Piece é um fenômeno mundial. Começou como mangá, publicado desde 1997 – conta até agora com 105 volumes compilados e milhões de exemplares vendidos. Depois veio o anime, não menos festejado mundo afora – com seus mais de 1000 episódios (e contando). A notícia de que a Netflix estava preparando uma versão live-action deixou muito fã preocupado, afinal de contas o fracasso de iniciativas semelhantes, como Cowboy Bebop (2022), deixou claro que o processo de adaptação não é tão simples assim. Não basta seguir o visual original, colocar as mesmas frases na boca dos personagens e ser “fiel” (no sentido convencional dessa atitude). É preciso compreender a diferença de suportes, equilibrando uma possível reverência ao original e a compreensão de que quadrinhos, animação e live-action demandam coisas particulares. One Piece: A Série é uma grata surpresa nesse sentido, especialmente por ser bem-sucedida na operação de transpor a criação de Eiichiro Oda para outro tipo de meio, sem perder de vista a essência que vem cativando os aficionados há quase 30 anos. A primeira temporada pode ser descrita como “consolidando a turma”, pois nos oito episódios o que temos é a exploração do passado dos carismáticos integrantes do bando do Chapéu de Palha e de como eles se encaixam enquanto grupo. O destaque dessa leva inicial de aventuras piratas é a excelente caracterização.

One Piece: A Série tem como protagonista Monkey D. Luffy (Iñaki Godoy), moleque sonhador que pretende se tornar o rei dos piratas ao encontrar o tesouro perdido de um lendário bucaneiro executado. Como moldura, um mundo em que boa parte da ação acontece no mar. Nele, há inúmeros grupos de marujos batalhando por fama, dinheiro e notoriedade. Já a Marinha representa a ordem do Estado (no caso, do governo mundial). Luffy é cativante por sua incansável determinação, um herói improvável que aos poucos se mostra capaz de estar à altura do enorme desafio autoimposto. Estamos falando de uma primeira temporada, então o showrunner Steven Maeda reproduz uma boa trama de origem, com direito a diversas voltas no tempo para mostrar não apenas como Luffy era enquanto criança (seus heróis, sua situação de vida, como ele cresceu), pois se repete esse expediente para explicar a bagagem de cada uma das figuras que se juntarão ao bando do Chapéu de Palha. Desse modo, conhecemos a história de Roronoa Zoro (Mackenyu), Usopp (Jacob Romero), Sanji (Taz Skylar) e Nami (Emily Rudd), esta cujo arco determina os eventos que encerram a temporada inaugural. Esses coadjuvantes vitais tem ao menos um episódio para serem protagonistas, nos quais são apresentados ao espectador. Além de situar os tripulantes, isso nos mostra que todos eles têm coisas em comum.

A equipe de roteiristas capitaneada por Steven Maeda é bem-sucedida ao construir a ideia de família que demarca a primeira temporada. Os integrantes do bando do Chapéu de Palha são desgarrados criados sem pai/mãe, mas geralmente possuem vínculos emocionais com figuras substitutivas maternas/paternas. Luffy tem dois faróis: Shanks (Peter Gadiot), pirata no qual se inspira, e seu avô Garp (Vincent Regan), vice-almirante da Marinha que passa boa parte da leva inicial de episódios o perseguindo. Nami foi criada por uma ex-marinheira que a acolheu num momento extremo de solidão. Sanji sobreviveu a um acidente marítimo graças a abnegação e bondade de um chef de cozinha (ex-pirata) que chegou ao cúmulo do canibalismo para garantir a sobrevivência de uma criança. Usopp perdeu a mãe cedo, mas tem um pai pirata navegando pelos mares agitados do East Blue. Por fim, Zoro carrega na memória as lições de uma amiga falecida que desempenhou no passado a função de irmã mais velha e barreira a ser vencida. Portanto, os amigos que se aproximam de modo orgânico nesse começo de aventura têm espessura emocional, são afetados por acontecimentos do passado e guiados por sonhos. Cada um deles possui uma missão pessoal a ser cumprida, como bem atesta o último momento da temporada. Mas, a série defende que, mesmo individual, um sonho é melhor sonhado em grupo.

Voltando à mencionada qualidade da caracterização. One Piece: A Série não merece elogios apenas por ter conseguido reproduzir em live-action o visual dos personagens, dos navios, dos figurinos, dos cenários e dos demais elementos cenográficos. Para quem tem um pouco de familiaridade, seja com o mangá ou com o anime, é fácil perceber que há uma preocupação com a essência psicológica/emocional da caracterização, ou seja, para que ela diga respeito também às personalidades. E nisso entra as escolhas certeiras do elenco. Iñaki Godoy consegue expressar a energia quase infantil da determinação de Luffy, bem como a sua inabalável fidelidade aos amigos e um senso de molecagem, mesmo diante de inimigos poderosos. Mackenyu interpreta Zoro com semelhante excelência, convencendo o espectador da letalidade do espadachim, mas sabendo dosar bem esse retrato com instantes menos solenes. Emily Rudd imprime em Nami as camadas da coadjuvante que esconde mais do que mostra. Por sua vez, Jacob Romero chama a atenção por reter a alma do personagem que no mangá possui um narigão, conseguindo expressar essa natureza caricatural sem recorrer a uma desproporção nasal. Taz Skylar também se destaca como o cozinheiro Sanji, embora seu lado galanteador tenha sido mostrado de modo tímido. E Morgan Davies está impressionante como Koby, o amigo de Luffy que sonha em ser um honorável membro da Marinha – o que cria uma tensão interessante entre os dois rapazes.

A série consegue reproduzir em formato live-action o gosto pela aventura que proporcionou o sucesso do mangá/anime. Tendo em vista o horizonte de um mundo praticamente infinito (com criaturas, lugares e situações inesgotáveis), a construção da primeira temporada acontece em termos de um bom resumo. Como citado antes, os oito episódios iniciais têm um propósito bem específico: apresentar os personagens principais, mostrar do que eles são capazes, colocar em seu caminho alguns vilões e situações desafiadoras e, por fim, preparar o terreno para os feitos posteriores à colocação de Luffy no rol dos procurados. A luta contra o imponente Arlong (McKinley Belcher III) poderia ser um pouco mais grandiosa, até para fazer jus ao desafio vencido antes deles voltarem ao mar. Ainda que tenha ótimos efeitos visuais, a série peca um pouquinho exatamente nas batalhas, pois as resolve de modo às vezes um pouco acelerado demais. No entanto, nada que prejudique essa boa viagem inaugural em live-action pelo universo criado por Eiichiro Oda. Evidentemente que os fãs mais empenhados e fervorosos devem ter uma perspectiva diferente, afinal de contas estamos falando da adaptação de algo amado por milhões ao redor do globo. Porém, pensando especificamente na série, sem pesar demais na comparação, dá para afirmar que One Piece: A Série se sai bem na arrancada rumo ao tesouro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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