Crítica


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Sinopse

Simony, Tob, Mike e Jairzinho se reúnem para refletir a respeito dos anos em que, como crianças, participaram da Turma do Balão Mágico. Ginásios lotados, discos que marcaram época e algumas controvérsias de bastidores.

Crítica

Com direção geral de Tatiana Issa, a minissérie documental A Superfantástica História do Balão retrata a trajetória meteórica de um dos maiores fenômenos infantis do Brasil no século 20. A Turma do Balão Mágico foi um grupo musical formado em 1982, que marcou gerações com canções grudentas e um carisma singular na apresentação do programa televisivo líder de audiência matinal durante cerca de três anos. Há vários recortes possíveis diante de um enredo com tantos personagens, episódios curiosos e algumas ocasiões sintomáticas da exploração financeira de um estrondo midiático que enriqueceu diversos departamentos. Tatiana reúne os integrantes da formação mais clássica do grupo, ou seja, Simony, Tob, Mike e Jairizinho, num mesmo cenário e os instiga a compartilhar memórias e confessar dificuldades diante das pressões familiares e da opinião pública. Como auxiliar dessa dinâmica memorialística, há depoimentos de familiares, amigos, ex-colaboradores, artistas renomados e personalidades influenciadas em suas infâncias pela Turma do Balão Mágico, como o ator/diretor Lázaro Ramos que enfatiza a importância do ingresso de Jairizinho na trupe à identificação das crianças negras. A pegada geral da minissérie é mais informativa do que reflexiva, ainda que seja possível a partir dela ponderar sobre alguns aspectos da sociedade brasileira oitentista que abraçou a turminha.

O primeiro desafio de Tatiana Issa e companhia para construir A Superfantástica História do Balão é justamente o encadeamento das tantas informações coletadas. E os três episódios são bem definidos em termos de intenção. No primeiro, temos resumos de como cada um dos integrantes foi parar nessa iniciativa que rendeu fortunas a gravadoras, emissoras de TV e outros agentes beneficiados pelo trabalho das crianças. O segundo traz, também de modo sumário, os problemas surgidos ao longo dos tempos, as rusgas e as diferenças que chacoalharam os bastidores dessa verdadeira máquina de gerar visibilidade. E o terceiro tenta alinhavar tudo isso com a reflexão sobre os efeitos do fenômeno popular. Do ponto de vista da linguagem, os criadores optam por um formato bastante convencional, composto de depoimentos e imagens de arquivo – um vasto material que envolve fotografias e registros audiovisuais. Além de todos os coadjuvantes que eventualmente pedem passagem com seus testemunhos, temos quatro protagonistas em cena que precisam ser minimamente contemplados em prol de um equilíbrio que não desvirtue os mandamentos da cartilha do documentário jornalístico. É perceptível que a equipe chefiada por Tatiana Issa precisa fazer um esforço enorme para evitar que Mike, certamente a figura mais interessante entre as quatro, roubasse todos holofotes da minissérie.

Simony vinha de uma família de artistas, assim como Jairzinho, filho do grande Jair Rodrigues. De todos, Tob é o de passado menos excepcional, fruto da união entre uma dona de casa e um metalúrgico. Já Mike era filho de ninguém menos do que Ronald Biggs, britânico conhecido por ter participado de um dos assaltos mais espetaculares da história do Reino Unido, o roubo de um trem postal em 1963 que lhe valeu anos de condenação. Depois da fuga da cadeia em 1970 e da viagem ao Brasil que o acolheu como celebridade, ele foi impedido de voltar à Inglaterra como homem livre. Fosse apenas por essa trama pregressa que influenciou a sua contratação à Turma do Balão Mágico, Mike concentraria naturalmente mais atenções do que os demais. Contudo, além disso, ele é o extrovertido na atualidade, aquele que evidentemente está aproveitando o momento de nostalgia para sobressair diante das câmeras – diferentemente da comedida Simony, do tímido Tob e do discreto Jair(zinho) Oliveira. Em vários instantes de A Superfantástica História do Balão é muito mais interessante continuar acompanhando as coisas pela perspectiva hiperbólica e “sincerona” de Mike do que seguir informado a respeito dos acontecimentos marcantes da trajetória do grupo infantil. Há vários recortes possíveis. Porém, sem dúvida, o mais envolvente vem do falastrão “filho do ladrão e da stripper” (palavras dele).

O morde e assopra diante das controvérsias é outro aspecto que mina qualquer possibilidade de expandir A Superfantástica História do Balão para além da competente colagem de causos. Tatiana Issa traz à tona a polêmica troca de empresários – e a superexposição das crianças é atribuída a esse movimento por Mike –, e, principalmente, a suposta intromissão excessiva da mãe de Simony, que teria feito da Turma do Balão Mágico um cabide de emprego à sua família, com isso desequilibrado a partilha dos lucros. A minissérie documental cita os problemas, toca em assuntos espinhosos, como os efeitos colaterais de tanto sucesso, mas não se aprofunda nisso. Aliás, se há algo que amorna a produção é essa necessidade autoimposta de resumir os vieses possíveis no retrato da trajetória da Turma do Balão Mágico, não destacando um prisma em detrimento do outro. Trocando em miúdos, é essa vontade obsessiva de ser abrangente que limita determinados relatos, é essa busca por um sumário eficiente que impede os realizadores de desenvolver melhor certos aspectos e perspectivas que poderiam funcionar como sintomas mais indicativos deste ou daquele assunto. A minissérie documental acerta no tom jornalístico, ou seja, é ilustrativa e interessante, mas ao privilegiar a atitude informacional perde a sua força de investigação humana e contextual, a isso preferindo nostalgia, dados e as lições aprendidas. No fim das contas, as controvérsias são suavizadas, pois soterradas por toneladas de oitentismo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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