A quinta aula do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? – evento virtual organizado pela produtora e distribuidora Boulevard Filmes – teve como tema central algo que geralmente desperta curiosidade e debates importantes: como se dá a programação de filmes em salas de cinema tradicionais? O bate-papo foi mediado por Robledo Milani, editor-chefe do site Papo de Cinema, e teve como convidados Adhemar Oliveira (coordenador dos cinemas do Espaço Itaú, com salas espalhadas pelo Brasil) e Kênia Freitas (curadora do cinema do espaço cultural Dragão do Mar, em Fortaleza). Depois da apresentação de Letícia Friederich, sócia da Boulevard Filmes, Robledo fez suas considerações iniciais e falou um pouco da experiência do Papo de Cinema enquanto site que busca remar contra a maré ao dar espaço para as estreias do cinema brasileiro – quando boa parte dos veículos de imprensa se dedica com mais afinco a filmes estrangeiros de apelo massivo. Logo depois, Kênia comentou que assumiu a coordenação do cinema do Instituto Dragão do Mar em março de 2022, sendo a primeira vez em que ela desempenha tal função. E uma das coisas mais interessantes da composição dessa mesa virtual foi justamente combinar alguém que está adentrando nesse lugar da programação de uma sala de cinema e um profissional considerado por muitos como a referência nesse setor estratégico.
Adhemar iniciou sua fala depois de ter sido louvado pelos demais como uma referência incontornável quando o assunto é a lógica de programação dos filmes em salas de cinema. Com 40 anos de estrada, ele fez um breve resumo de uma trajetória que começou com a mudança aos 19 anos (de uma cidade do interior de São Paulo para a capital paulistana), vestibular, montagem de cineclubes, até o ingresso num cineclube em que aprendeu os aspectos jurídicos, a programar cinema, a projetar em 35mm, assim dando um passo fundamental rumo à carreira profissional de programador. “O programador nada mais é do que um elo entre produto, o filme, e o espectador. O filme apenas existe quando está rodando. Enfrentei N situações: de censura, de não ter produto, de domínio de um só produto. E aí, como é que faz? (…) no caso do produto estrangeiro não monopolista, às vezes você ter de ir buscar os filmes para construir um mercado (…) nos anos 1980, quando ingressei nesse ramo, cinema de arte e cinema comercial eram bem distintos, quase como se existisse uma separação religiosa entre eles. Era um sintoma de um funcionamento de mercado semelhante a um cartel. Isso apenas muda quando entra a ideia do multiplex no Brasil (…) Em 2001, criamos o conceito de Arteplex, que engloba tudo isso”, afirmou.
NÚMEROS COMO PARÂMETRO
Pegando como gancho uma fala posterior de Adhemar sobre instrumentos referenciais para programar filmes em sala de cinema, Robledo pinçou a pergunta de um dos participantes sobre o OCA – O Observatório de Cinema e Audiovisual (instrumento vinculado à Universidade Federal Fluminense), mais especificamente a respeito da utilização de seus dados e levantamentos estatísticos como possíveis parâmetros para programação. “Observo com muita atenção esses números, principalmente alguns que são mais detalhados e oferecem parâmetros de faixa etária, horários, porque isso é um indicador do tipo de plateia (…) é importante observar esses números a fundo, pois às vezes na leitura deles você percebe movimentos”, disse Ademar. Ele forneceu alguns exemplos de sua atividade como programador baseados na necessidade de leitura de mercado, como determinado filme lançado com nove cópias no Brasil e que teve mais de 300 mil espectadores. Vale lembrar que Adhemar também está à frente de uma distribuidora, atividade certamente beneficiada por suas décadas como programador. “Por que as pessoas estão assistindo a determinado filme em cartaz? São várias as perguntas de programação. Há a necessidade de entender demandas, como a do cinema que vai ao encontro das reivindicações pelos direitos femininos e da comunidade LGBTQIAP+, até mesmo as demandas do público infantil. É preciso atentar a tudo isso”, disse Adhemar, que apontou sites e boletins informativos como fontes valiosas à programação. “Sou contrário à ideia de que um conjunto de 10 salas programe o mesmo filme. Justamente para termos a diversidade. É preciso fazer uma equação de disposição entre os níveis de interesse que os vários filmes provocam no público, completou.
RELACIONAMENTO E PROCEDIMENTOS
Ao ser perguntada pelo mediador sobre os instrumentos práticos para a vivência diária de uma programadora de cinema, Kênia enfatizou bastante a rede de relacionamento: “É preciso construir relações. Estou ainda nesse processo, até porque sou nova na função. As distribuidoras mandam as ofertas, às vezes com muita antecedência. Em geral, há um cronograma e à medida que as datas de lançamento se aproximam essas empresas intensificam os contatos em torno de determinadas produções. Há distribuidoras que mandam o link do filme, release completo, todo material de imprensa e praticamente todo o trabalho de rede social quase pronto. E há casos de distribuidoras que enviam apenas uma sinopse (risos). São estratégias diferentes e, claro, que variam de acordo com as relações estabelecidas. Num cinema menor, temos até a oportunidade de construir essas relações de modo mais próximo”. A programadora seguiu, dizendo que há desafios específicos às salas de menor porte, como as frequentes restrições orçamentárias, o que também impacta a montagem de uma programação que tem como premissa contemplar diversidades. “Em Fortaleza, por exemplo, se não puxarmos determinados filmes, eles acabam não estreando, o que também nos dá liberdade de conseguir programa-los algumas semanas depois da estreia em outros territórios. É ruim perder o timming de marketing, mas é o que conseguimos fazer com as limitações que enfrentamos em todas as esferas (…) levo em consideração a pesquisa sobre como os filmes foram nas pré-estreias, que tipo de produção crítica existe sobre eles. Faz parte dessa equação saber como o filme é discutido (…) e as redes sociais também são importantes: que tipo de resposta o filme gera nas comunidades virtuais?”.
O PAPEL DA CRÍTICA NESSA EQUAÇÃO E FURAR BOLHAS
Robledo fez uma provocação baseada em falas anteriores de Kênia e Adhemar: “sabemos que existe o chavão de que se os críticos gostaram de determinado filme, o público não vai gostar. Como vocês se relacionam com a crítica e com os resultados de grandes premiações enquanto parâmetros dentro dessa ideia de programar filmes para cinema?”. Kênia, que além de curadora também é crítica de cinema, começou a sua fala sublinhando a diversidade de produção de conteúdo como um fator a ser observado: “Atualmente há uma variedade muito grande de críticas sendo produzidas. Há diversos perfis, mesmo que os jornais ainda continuem centralizando certas lógicas. Mas, os jornais têm limitações, não conseguem acompanhar tudo. Então, boa parte dessa crítica acontece em sites. E essa produção me parece muito próxima do campo da cinefilia. Há filmes, como Drive My Car (2021), que receberam atenção por causa desse engajamento cinéfilo (…) e esse abraço crítico não necessariamente se reflete em adesão de público. Sinto um pouco esse reflexo quando há uma variedade grande de críticas. Claro, estou falando isso dentro de um circuito de cinema independente. Adhemar continuou apontando a relatividade dessa influência crítica na performance comercial dos filmes: “Todo cineasta busca aliar sucesso de público e crítica. No entanto, às vezes são caminhos opostos, por questões como linguagem e forma de comunicar. Mas, quando acontece essa confluência rara, é uma beleza”.
“Sobre isso de furar bolhas, penso num exemplo que tivemos de um filme norte-americano programado em apenas uma sala e que estava lotando as sessões. Fiquei encucado e fui conversar diretamente com a plateia. Descobri que, na realidade, o filme tinha um aspecto espírita e que a comoção era por conta de um interesse filosófico-religioso (…) às vezes é preciso ficar na porta do cinema, conversar, para entender do que é feita essa bolha”, disse Adhemar, que ainda ponderou sobre a padronização gerada pelos critérios das redes sociais e que por isso mesmo sempre prefere as conversas informais como termômetro. “Papo de saída de sessão é a melhor ferramenta do programador”. Já Kênia ressaltou um aspecto interessante desse acompanhamento das redes sociais: “Nas redes sociais há reações espontâneas, xingamentos, comemorações, enfim, algo muito diferente de um texto mais elaborado (…) e temos de ter cuidado para compreender que o protagonismo das redes também muda com bastante frequência (…) é fundamental mapear esse público que frequenta diariamente salas de cinema”.
CINEMA BRASILEIRO NAS TELONAS
A relação dos exibidores com o cinema brasileiro nem sempre foi amigável ou mesmo cordial. E isso é multifatorial, ou seja, não é algo facilmente compreensível. Seria preciso ponderar desde a atuação do Estado até os aspectos microeconômicos para chegar a uma leitura minimamente consistente sobre esse tópico. O mediador Robledo Milani tocou diretamente nesse assunto, solicitando posteriormente a leitura dos convidados. Adhemar Oliveira começou a sua fala sinalizando a cota de tela como um instrumento vital de defesa da construção do mercado do filme brasileiro frente à distorção de peso econômico: “um erro enorme é ter dinheiro de produção, mas não contar com verba de distribuição, isso é um erro enorme”. Kênia Freitas celebrou a diversidade atual do cinema brasileiro, mas sinalizou que mesmo esses filmes muitas vezes performam mal nas bilheterias: “pensar estratégias tem sido outro gargalo do cinema independente brasileiro (…) há muitos filmes que realmente chegam às telonas sem muita verba (…) vamos pegar como exemplo o Festival Varilux de Cinema Francês. É um sucesso também porque conta com uma verba considerável para a divulgação e isso faz toda diferença (…) existem várias estratégias para além de comprar verbas de publicidade, obviamente”. Robledo arrematou o tópico oferecendo a experiência dele como editor-chefe de um veículo de comunicação, sobretudo como alguém que encara diariamente a realidade do filme brasileiro que não previu verba para a divulgação, ou seja, para estar em contato com seus públicos-alvo.
O FUTURO DAS SALAS DE CINEMA
Robledo Milani chamou a atenção para uma mudança no perfil do consumo de cinema, algo propulsionado pela pandemia: o dos filmes assistidos em âmbito doméstico, fora das salas de exibição convencionais. E perguntou aos convidados: “as salas ficarão restritas aos grandes espetáculos, aos blockbusters, ou ainda é cedo para fazer essa leitura?”. “O blockbuster tem um controle mais centralizado, o que não acontece com os filmes independentes. É possível uma plataforma de streaming ir ao Festival e Cannes, comprar um filme e lança-lo por aqui diretamente em streaming. Com o blockbuster isso não acontece. No futuro, isso pode levar ao desaparecimento da ala que está mais sofrendo, que é a dos independentes, pois ela não tem um controle mais centralizado (…) entrando no campo da previsão, houve uma banalização de profusão de soltura de produções. O espectador fica perdido em meio a tanta oferta. E o cinema retoma uma tarefa de avaliador desses produtos. Minha leitura é que para o futuro o cinema ganhe um papel de curadoria dentro desse contexto dos independentes”. Kênia complementou ao pontuar que os blockbusters insistem em suas divulgações na mensagem da experiência do cinema como fundamental à fruição do espetáculo: “E como os independentes diferenciam a experiência na sala de cinema? Então o público do independente não está vendo muita diferença entre consumir o filme no cinema ou no conforto de sua casa. É preciso mudar essa realidade”.
Projeto realizado com o apoio do ProAC Expresso Lei Aldir Blanc
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A PRIMEIRA AULA DO WORKSHOP ::
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A SEGUNDA AULA DO WORKSHOP ::
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A TERCEIRA AULA DO WORKSHOP ::
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A QUARTA AULA DO WORKSHOP ::
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