Além das exibições e dos debates matutinos, a 3ª Mostra Sesc de Cinema, fazendo jus à parte da atuação do Sesc no âmbito audiovisual, também engloba a formação. Até a próxima sexta-feira, 08, o cineasta Rodrigo Aragão está ministrando uma oficina denominada Efeitos Especiais em Maquiagem, oferecendo aos alunos ferramentas e conhecimentos básicos para explorar essa área. Também até a sexta ocorrem as oficinas Como Produzir, Realizar e Distribuir um Filme de Baixo Orçamento, de Cavi Borges e Patrícia Niedermeier, e Storyboard e Animatic, com Gabriel Albuquerque, na qual há a introdução dos alunos à linguagem cinematográfica, da decupagem à planificação de roteiros, levando à construção de storyboards. Todas as atividades são gratuitas, mediante inscrição prévia.
CINEMA LGBTQI+ EM FOCO
A mesa de debates mais importante do dia foi a da faixa das 18h, na Casa de Cultura de Paraty, intitulada Cinema LGBTQI+, momento especialmente reservado às questões que permeiam a produção de curtas e longas, além de séries, webséries e novelas, circunscritas num nicho pelo mercado. A atividade foi mediada por Julia Katharine, diretora de Tea For Two (2019), que não se limitou à função de intermediar a conversa entre os demais convidados, sendo frequentemente quem mais propôs tópicos posteriormente desdobrados pelos presentes. Junto dela, Galba Gogóia, diretora de Jéssika (2018), Íris, diretora de Majur (2018), Bruna Laboissière, diretora de Fabiana (2018) e Emerson Maranhão, diretor de Aqueles Dois (2019). Após as apresentações, vários assuntos entraram na pauta.
Júlia Katharine começou dizendo que não gosta do rótulo “temática trans”, especialmente por acreditar que se trata de um limitador. Ela entende ser urgente a naturalização dos personagens transexuais no cinema. Júlia também afirmou que o ideal seria não existir mesas específicas como esta que estava mediando, e que adoraria discutir com realizadores de diversos perfis, não sendo frequentemente chamada como exemplo apenas a partir da sua identidade de gênero. “Os rótulos segregam muito. Sinto que às vezes somos (trans) utilizados apenas para cumprir cotas, sem critério, de forma objetificante e exotizante”.
Emerson frisou bastante o que, na leitura dele, é “um tsunami de retrocesso após uma onda de avanços”, dessa forma se referindo ao atual governo federal, notoriamente pouco afeito a batalhar pela diversidade. “É fundamental o cinema ser um farol para levar luz às pessoas invisibilizadas”. Espirituoso, o realizador radicado no Ceará há mais de 20 anos disse que LGBTQI+ não pode ser entendido como gênero. Voltando recorrentemente à questão política, Emerson sentenciou que atualmente no Brasil existe um projeto político que não permite a representação da realidade, pura a simplesmente por querer negar a diversidade presente indefectivelmente no cotidiano no Brasil.
Íris começou sua exposição chamando a atenção para duas palavras: acesso e censura. Ela mencionou a dura realidade de estudantes LGBTQI+, em especial os transexuais, que ingressam numa instituição de ensino superior. Boa parte desse contingente não consegue seguir adiante na graduação, desistindo por conta das inúmeras dificuldades enfrentadas diariamente. Para Íris, o fato do caminho da formação ser ainda mais pedregoso a determinadas populações pode ser entendido como forma de censura. Outra coisa que ela colocou em discussão foi o grande número de produções com personagens LGBTQI+, mas que não são comandadas por integrantes desses grupos. Mais uma contribuição valiosa da mato-grossense: a reflexão sobre o desemprego de pessoas transexuais e como isso afeta consideravelmente as suas saúdes mentais. Ela ressaltou a união em tempos de crise.
Galba utilizou a expressão “tríade do capeta” para aludir aos políticos cujas diretrizes impactam, respectivamente, a vida do carioca, do fluminense e do brasileiro. Ela se referiu nominalmente ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, ao governador do RJ, Wilson Witzel, e ao presidente da república, Jair Bolsonaro. Segundo ela, moradora da Cidade Maravilhosa, as oportunidades no setor audiovisual decaíram muito na antiga capital federal por conta da ausência de políticas públicas nas três esferas. “No Rio de Janeiro o momento do audiovisual é desanimador”.
Pegando o gancho de algumas falas anteriores, Bruna Laboissière falou que o interesse por Fabiana, a caminhoneira transexual protagonista de seu filme, se deu não por força da identidade de gênero, mas pela curiosidade quanto a uma vida dedicada à estrada e como a iminência da aposentadoria poderia impactar num cotidiano anteriormente organizado. “Respeitei a forma como ela quis se apresentar”.
Outras questões de suma importância entraram na pauta dessa conversa mais que valiosa: a necessidade de remunerar profissionais trans; os padrões de beleza opressores; e intérpretes trans vivendo personagens cisgênero e vice-versa. Algumas discordâncias surgiram, especialmente quanto ao último tópico mencionado. Enquanto Julia se posicionou contrária à obrigatoriedade, ao menos moral, da escalação de intérpretes transexuais para viver transexuais nos filmes, entendendo que isso pode cercear a atividade artística, Galba se disse mais inflexível nesse sentido, acreditando que para mudar o cenário é preciso radicalizar.
(O repórter viajou a Paraty a convite do evento)
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