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Sinopse

Com a morte de seu irmão gêmeo, Willy, 50 anos, deixa seus pais pela primeira vez para se instalar na cidadezinha vizinha. Inadaptado, Willy vai embora para encontrar seu lugar em um mundo que ele não conhece.

Crítica

Antes da trama propriamente dita de Willy I começar, surge a informação, via letreiro, de que o filme é baseado livremente na história verídica de Daniel Vannet. Tornado ator, ele reencena, portanto, episódios de sua insólita vida. A explicitação do elo com a realidade, antes de solicitar nossa condescendência com quaisquer improbabilidades apresentadas, visa celebrar a coragem do homem que topou interpretar não apenas si próprio, mas também o irmão gêmeo que cometeu suicídio. Dito isso, o ato que extirpa Michel da convivência com seu univitelino é o estopim para uma mudança apresentada de maneira um tanto desajeitada, já que os roteiristas/diretores Ludovic Boukherma, Zoran Boukherma, Marielle Gautier e Hugo P. Thomas (sim, são quatro, mesmo) se preocupam relativamente pouco com a constituição de alguns contextos, por exemplo, a atitude dos pais de internar Willy numa logo após a tragédia, sintoma de um tratamento desatento no que diz respeito à urdidura dos acontecimentos.

Willy deseja mudar-se para uma cidadezinha vizinha, arrumar um apartamento, uma scooter e amigos. Os tópicos desse anseio se tornam títulos dos capítulos que estruturam Willy I. Então, acompanhamos Willy em jornadas singulares, viabilizando as conquistas de cada uma das necessidades externadas como vitais à sua felicidade. Antes disso, ainda dentro da dinâmica frouxa que antecede as vitórias do protagonista, há a brevíssima passagem por uma instituição, a também curta temporada na residência do amigo José (Eric Jacquet) – e não saber como e de onde eles se conhecem torna essa interação relativamente aleatória, carente de sustentação – e os dias morando na casa de Catherine (Noémie Lvovsky). Assistente social, ela se compadece das dificuldades desse homem já na casa dos quarenta anos, que decide tardiamente sair para o mundo, sem, contudo, saber ao menos ler e escrever corretamente. A obtenção da prioridade inicial da lista ajuda o filme a entrar nos eixos, a ter foco mais definido.

Willy I sofre com a inconsistência da abordagem, de cara, pois não consegue estabelecer equivalência dramática entre a morte de Michel e a inevitabilidade de seguir adiante, algo que atinge o agora solitário Willy. O longa-metragem vai melhorando na medida em que absorve elementos das novas experiências do personagem de Vannet. Depois de conseguir um apartamento para chamar de seu, na garagem do qual convenientemente há uma scooter – e é engraçada a cena dele estreando seu modo de locomoção, todo bonachão em cima do veículo, como se fosse um motoqueiro radical –, Willy passa a comunicar-se com vizinhos e colegas de trabalho, mais especificamente, nesta categoria, com Willy II (Romain Léger), xará com quem gradativamente desenvolve uma bem-vinda proximidade. Embora, volta e meia, apresentem instantes de pura melancolia atravessando a vivência de Willy, os quatro cineastas não conseguem transpor uma indeterminação no que tange à atmosfera, ora triste, ora cômica. O olhar é enviesado.

Mais notadamente quanto à relação entre os Willy, o filme se enquadra num modelo narrativo bastante estanque e batido. Primeiro, aproxima duas pessoas passíveis de sofrer preconceito pela comunidade. Depois, mostra um deles sendo cruel com o outro para agradar a maioria, os demais. Por último, há a reaproximação, obviamente, carregada de arrependimento e aprendizado. Menos por conta da amizade não ser evidentemente o centro nevrálgico do longa-metragem, mais pela forma como essa situação rouba indevidamente a atenção do todo, suplantando momentaneamente em importância a trajetória pregressa, há uma perda significativa de potência, embora seja digna de reconhecimento a tentativa de abrir o escopo e escapar a uma centralização cartesiana. Willy I é uma produção singela, louvável por transitar entre a realidade e a ficção, mas cujo conjunto é combalido pela incapacidade do quarteto de realizadores de trabalhar as ocorrências em função de uma ideia ou de observação mais clara.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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