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Sinopse

Um grupo de trabalhadores alemães da construção civil iniciam uma dura jornada de trabalho em uma remota região rural na Bulgária. No local, enquanto o senso de aventura dos homens aparece, eles também são confrontados com seu próprio preconceito e pela desconfiança devido à barreira da língua e às diferenças culturais. Mas tudo se intensifica quando passam a competir por reconhecimento.

Crítica

O título deste filme sinaliza previamente boas pistas acerca do substrato e dos elementos da urdidura de sua trama. Ela é sobremaneira focada na constatação da tensão enquanto componente intrínseco a um entorno essencialmente masculino. Dirigido por Valeska Grisebach, Western filia-se ao faroeste de diversas maneiras, das mais às menos evidentes, conservando pilares básicos do gênero, mas passando bem ao largo do pastiche, também, em virtude de seu olhar atento aos personagens e às situações que as condutas deflagram. O protagonista é Meinhard (Meinhard Neumann), alemão de poucas palavras que se junta a um grupo de conterrâneos encarregados da construção de uma hidrelétrica na Bulgária. Ele chega ao novo território para “trazer progresso”, assim como os cowboys ajudaram a saga “civilizatória” a partir do oeste estadunidense. A presença dos estrangeiros afronta a ordem da natureza local, já que eles derrubam árvores e mudam o curso do rio, alterando a paisagem paulatinamente.

Em princípio, a impressão prevalente é a de um filme debruçado sobre os elos mais imediatos, decorrentes da ação dos forasteiros e da provável resposta hostil dos moradores de uma vila vizinha ao acampamento germânico. Todavia, a cena de um dos trabalhadores molestando a banhista nativa da região, constrangendo-a e a “obrigando” a deixar o local, traz à tona o procedimento basilar de Western e, de quebra, sua linha mestra. A partir desse episódio há sucessivas situações tensas, nas quais a erupção da violência é iminente. O acúmulo de tais circunstâncias adensa a atmosfera do filme, caracterizada em semelhante medida pelo olhar sensível direcionado, especialmente, às subjetividades de Meinhard, figura que, assim como boa parte dos homens armados e em permanente estado de alerta no Velho Oeste diegético norte-americano, parece caminhar fustigado por um acúmulo de feridas mal cicatrizadas do passado. Sua personalidade algo enigmática estabelece uma ponte entre o enredo e o gênero.

A incomunicabilidade é afrontada em Western pelo gradativo entendimento do protagonista com os locais, mesmo a barreira linguística sendo evidente. Ele, inclusive, em determinados momentos, chega a parecer mais alinhado aos habitantes das redondezas, afastando-se dos colegas com quem, então, convive apenas na rotina laboral. Mas, Valeska Grisebach não parece interessada em determinismos ou em tachar, já que a realidade do filme vai se ajustando organicamente de acordo com os atos e as reações. Há um fundo histórico alimentando a antipatia entre alemães e búlgaros, haja vista o hasteamento da bandeira no acampamento e o posterior roubo da mesma, numa medição de forças velada. Tal instância inevitavelmente adiciona outra camada nesta radiografia da brutalidade que, inúmeras vezes ao longo da intriga, ameaça virar embate físico. Sintomática a função da única mulher com verdadeiro destaque, a de tradutora, ou seja, mediadora verbal das questões surgidas na convivência.

Valeska Grisebach acena muito sutilmente a imagens icônicas do faroeste clássico, num processo se ressignificação cujo resultado é a leitura bastante singular do cânone. O vislumbre breve de Meinhard sentado na varanda remete à famosa imagem de Henry Fonda em Paixão de Fortes (1946). Mas, Western não é daqueles longas-metragens que se sustentam pela capacidade de aludir a uma tradição cinematográfica. Aliás, longe disso. O mérito aqui é de outra ordem. Os estilhaços derivados das animosidades comumente encaradas, que tornam a jornada do protagonista passível, a todo o instante, de ser atravessada pela barbárie, sem com isso soterrar aspirações íntimas, criam a sensação de perigo. As interações são invariavelmente marcadas por uma inquietude resultante da forma como a cineasta enxerga a masculinidade, instância aqui idealizada por um olhar “estrangeiro”, mas imbuído da generosidade que permite às pessoas se expressarem na telona para além das obviedades.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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