Crítica

O que artistas como Wando, Nelson Ned, Amado Batista, Odair José e Agnaldo Timóteo possuem em comum? Várias coisas! Primeiro, são ídolos da música brega brasileira. Depois, possuem milhares de fãs apaixonados por todo o país. E por fim, aceitaram prestar um depoimento para o filme Vou Rifar Meu Coração, segundo longa-metragem da documentarista Ana Rieper (Na vela do rio, 2002).  E aqui eles falam justamente sobre tudo isso: suas inspirações, seus admiradores, o impacto do sucesso que fazem e o que pensam sobre esse verdadeiro fenômeno. Mas o filme vai além, e aí está o seu maior charme: a voz não está apenas em quem produz essa expressão artística, mas também – e principalmente – em quem a consume. Afinal, só há produto porque há demanda. Descobrir como é a vida, quais são as histórias e experiências de quem aprecia esse tipo de canção e os porquês por trás dessa preferência é o principal questionamento da obra.

A intenção, segundo a sinopse oficial, era “retratar o imaginário romântico, erótico e afetivo brasileiro a partir dos trabalhos dos principais nomes da música popular romântica, também conhecida como brega”. Letras dos artistas já citados e de outros como Peninha, Waldik Soriano e Walter dos Afogados são ouvidas e exploradas, na tentativa de constituir uma coletânea de dramas sobre a vida a dois. Os temas destas músicas se relacionam com as histórias amorosas de pessoas comuns, que se abrem revelando intimidades, segredos, angústias e desejos, compartilhando situações reais e aproximando criação e criatura. O título Vou Rifar Meu Coração parte de uma canção de Lindomar Castilho, e cai como uma luva para este apanhado de desilusões, tristezas, conquistas e sonhos.

O mais bacana no filme é a variedade de casos que apresenta, nos diversos formatos em que eles se expressam e na edição inteligente, que não deixa cair a peteca em nenhum momento. Por outro lado, essa busca por uma unidade dinâmica e expressiva acaba diluindo os discursos. Há histórias que queremos saber mais e que ficam apenas na superfície, enquanto que outras se repetem sem necessidade. Como vivem os casais homossexuais neste universo? Todos os artistas buscam em suas próprias histórias as referências para suas composições ou são casos isolados? Os que se dão bem no amor não possuem expressão? Até que ponto a curtição do pesar vira uma indústria da dor de cotovelo? Ao invés de provocar um alívio em quem escuta estas canções, não estariam elas apenas servindo como estímulo para aprofundar esta dor? E como é a relação entre artista e quem o admira? Até que ponto os dois não se confundem?

Vou Rifar Meu Coração é um filme muito bonito, fácil de se assistir e que peca apenas pela pouca duração (são pouco mais de 70 minutos). Selecionado para os festivais de Brasília, Goiânia, Vitória e Tiradentes, exibido na Mostra Internacional de São Paulo e em países como França, Estados Unidos, Portugal, Uruguai e México, tem sido bastante aplaudido por onde passa, pois revela um lado da cultura brasileira que ainda muitos desconhecem. É pertinente, no entanto, perceber que seja esta mesma parcela de público, a mais carente, aquela que menos frequenta o cinema em nosso país. Ou seja, é um filme sobre pessoas que não o prestigiarão, e que falará com um espectador, em sua maioria, estranho ao retrato proposto. Um debate interessante, que se superar o preconceito inicial poderá provocar boas e pertinentes reflexões.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *