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Sinopse

O pequeno Manou passou sua vida inteira acreditando que era uma gaivota, quando, na realidade, ele é filho de um casal de andorinhas. Enquanto tenta aprender a voar, percebe que nunca será capaz de alçar grandes voos e foge de casa. Mas quando os animais correm perigo de vida devido a uma nova ameaça, só ele conseguirá salvar o dia.

Crítica

Em princípio, imagina-se que Voando Alto vai ser totalmente articulado a partir da contenda entre as andorinhas e as gaivotas, de certa forma assim emulando as brigas aparentemente irresolutas entre os Montecchio e os Capuleto da peça Romeu e Julieta, com o diferencial da saída do romance proibido e a entrada da adoção de alguém de uma espécie pela outra. Todavia, nem tal dinâmica, para lá de batida, ganha substância nessa animação combalida pela ausência de densidade. Por conta de um engano (na verdade não fica claro o que aconteceu), a andorinha Manou cai no ninho do líder das gaivotas e de sua esposa, por eles sendo criado. Não há, sequer, qualquer conflito nessa adoção. Inexplicavelmente, a rivalidade supostamente mortal é abolida das conversas, voltando a aparecer apenas adiante, quando o já adulto pássaro não consegue dar conta das demandas às quais é incumbido, tais como mergulhar, pescar e planar sobre o vasto mar.

Voando Alto tem a exuberância dos cenários ao seu favor. Tanto a pedra à beira-mar, na qual vivem os bandos rivais, quanto a cidade e o cemitério frequentemente visitado são bonitos visualmente. Determinadas sequências, aliás, são enxertadas a fórceps na trama a fim de permitir aos animadores a exibição de suas habilidades. Uma delas é a disputa da corrida, um dos únicos instantes em que a aventura é desenhada com alguma potência, mas cujas implicações são descartáveis ao desenrolar da história, até porque a prova da valentia do protagonista tem poucos efeitos. Contudo, nem a qualidade técnica é constante, vide o artificialismo das aves retratadas, no mais das vezes de perto, o que permite a constatação da falta de organicidade. Esta é gritante na única passagem em que é possível enxergar humanos de perto. As pessoas parecem bonecos sem vida e de expressividade prejudicada. Poupa-se de um lado e esbanja-se do outro.

Os dilemas de Manou são mal formulados, desenvolvidos e arrematados. Andorinha de nascimento, mas gaivota de criação, ele encontra um mundo diferente na companhia de Kalifa e de seus irmãos, isso após ser banido do lar por não dar conta de tarefas tidas como instintivas. Os diretores Christian Haas e Andrea Block não são capazes de, tampouco, criar um decente conto moral sobre a necessidade de cooperação e a dificuldade de encaixar-se no mundo. O roteiro repleto de buracos propicia a justaposição debilitada de sequências que valem o quanto pesam individualmente. Sendo assim, o conjunto é prejudicado por essa falta de espessura, boa parte advinda da frouxidão com que os elementos são cerzidos. Além de previsível, Voando Alto é enfadonho, especialmente pelo modo como oferece soluções simplórias para questões profundas. Basta um estalar de dedos para que preconceitos e senões sejam esquecidos, para que exilados se achem e sejam felizes.

O primeiro amor, a amizade com um excluído – no caso o carismático Percival –, os aprendizados oriundos da escuta e da observação dos predicados alheios, a irmandade, tudo isso surge de forma esquemática e com graus vistosos de gratuidade. Há piadinhas mal encaixadas, vide a falta de graça no flerte de Manou com Kalifa e o tapa que ele leva em virtude dela “não ser esse tipo de andorinha”, referência às investidas amorosas na caverna longe dos olhares do espectador. Concentrando-se em meia dúzia de personagens com clara importância, relegando à mera figuração a maior parte dos demais pássaros que passam rápida e desnecessariamente pela telona, Voando Alto é inofensivo e incapaz de gerar reflexões tendo como ponto de partida as jornadas que Manou precisa cumprir para finalmente encontrar o seu caminho. Valendo apenas por pontuais proezas atreladas ao método, o longa-metragem é como um voo rasante que acaba em queda brusca.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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