Crítica

Para ser considerado ao menos irregular, qualquer obra precisa, no mínimo, alternar alguns (ainda que poucos) bons momentos com outros não muito iluminados. Virei um Gato, portanto, nem a isso se sujeita: tem-se aqui um filme conciso em seu resultado: é ruim do início ao fim. Chega a ser impressionante como absolutamente nada dá certo em cena. A impressão é que se tentou recriar uma fábula tão comum nos cultuados clássicos juvenis da Sessão da Tarde dos anos 1980. No entanto, se este foi o objetivo, tais alcances se dão todos de forma incompleta.

NINE LIVES

A maior curiosidade, portanto, é imaginar o que teria sido suficiente na proposta oficial – sim, pois antes de estar nas telas, uma vez isso foi uma ideia debatida à exaustão em reuniões com executivos e produtores, que após muitos prós e contras decidiram investir US$ 30 milhões (!!) neste projeto – para atrair tantos e tão diversos talentos. Como dois vencedores do Oscar, uma atriz que já foi considerada uma estrela em ascensão e o diretor de uma das franquias mais lucrativas de Hollywood aceitaram fazer parte desse fiasco talvez seja o maior mistério de todos, e o único questionamento possível neste ponto é se estariam todos com seus alugueis atrasados – uma consideração tão absurda quanto o resultado que aqui somos confrontados.

Filmes com animais falantes já foram indicados até ao prêmio máximo do Oscar (aí está Babe: O Porquinho Atrapalhado, 1995, que não nos deixa mentir). E ainda que a fórmula da troca de corpos já tenha sido usada à exaustão (inclusive no cinema brasileiro, como Se Eu Fosse Você, 2006, pode comprovar), ela sempre parece disposta a uma revisão. É preciso, no entanto, um olhar não acomodado a respeito e disposição para revirar conceitos há muito desgastados. Exatamente o que não se vê em Virei um Gato. Como o título nacional já adianta, o protagonista logo sai de cena para dar espaço a um bichano que precisa aprender uma ou outra verdade para, enfim, retomar seus laços familiares e sua forma humana. A velha lição da semana, agora sob um ponto de vista mais, digamos, animal.

Kevin Spacey não tem conseguido capitalizar o sucesso da série televisiva House of Cards (2013-) em busca de melhores oportunidades na tela grande. Dessa vez, ele novamente repete o mesmo personagem autoritário e arrogante, o que o deixa cada vez mais distante do filho mais velho (Robbie Amell, de DUFF, 2015), da segunda esposa (Jennifer Garner) e da filha pequena (Malina Weissman, de As Tartarugas Ninja, 2014). Ao mesmo tempo, há uma disputa na empresa da qual é dono de 51%, tendo que lidar com os interesses escusos de um dos executivos (Mark Consuelos, de Caçada Mortal, 2014). Quando o magnata vai parar no corpo de um gato após um acidente mágico, ele terá que descobrir como superar essas adversidades na nova condição, tendo como apoio apenas o misterioso dono de uma petshop, vivido por Christopher Walken.

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É público e notório que uma das maiores distrações das pessoas desocupadas, ao navegarem aleatoriamente pela internet, é assistir a vídeos caseiros de gatos e outros animais de estimação. Esse mesmo público talvez até ache alguma graça em Virei um Gato. No entanto, por que pagariam ingresso para conferir algo que muito já os divertiram em casa, e com mais naturalidade e humor? Barry Sonnenfeld, que viveu dias melhores sob o comando da saga Homens de Preto, precisou de cinco roteiristas para talvez se dar conta disso. Espera-se, portanto, que essa piada sem graça não mais se repita.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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