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Sinopse
Em Verão na Sicília, Nico é um menino inquieto, irreverente e cheio de personalidade, criado em uma família laica, num mundo moderno e hiperconectado. Durante o verão, é enviado ao sul da Itália para passar uma temporada com uma tia solteirona, religiosa e de temperamento difícil, que vive sozinha em um apartamento tomado por lendas e superstições. Drama/Família.
Crítica
Mostrar o mundo sob o olhar de uma criança é um recurso que tem sido usado à exaustão pelo cinema ao longo de toda a jornada da sétima arte. Exemplos não faltam. Mas na maioria das vezes, tal emprego serve para amenizar certas situações que, de outra forma, se mostrariam por demais duras, talvez até mesmo cruéis. Verão na Sicília segue por outro caminho. O ponto de vista infantil está presente, mas nunca menosprezando o protagonista, muito menos subestimando sua capacidade de compreensão. O objetivo, portanto, não é transformar o mundo lá fora, mas entender, sim, como tal mudança se dá de forma interna. O garoto à frente destes acontecimentos não é apenas um ponto de partida, mas também o lugar de chegada. O ciclo começa e termina nele, e acompanhar tal trajetória pode se mostrar tão surpreendente, quanto prazeroso. Para isso, basta agregar elementos simples, porém de complicada harmonia: uma direção segura, um talento nato, um texto que os conecte com a audiência, uma ambientação envolvente. Tudo aquilo que esse filme apresenta sem excessos, mas na medida exata.
Não há muito espaço para preâmbulos ou explicações prévias. Logo na primeira cena, Nico (o expressivo Marco Fiore, que em sua estreia apareceu como o astro pornô Rocco Siffredi durante a infância na minissérie Supersex, 2024) é visto sozinho em um trem, rumo ao sul da Itália. Após uma longa viagem, quem o recebe é uma senhora sisuda, Gela (a veterana Aurora Quattrocchi, que entre tantos sucessos esteve no elenco de Malena, 2000). Nem um sorriso, muito menos um abraço. Mas um carro – sem ar-condicionado – pronto para levá-lo até o lugar onde o recém-chegado irá passar suas próximas semanas. Um prédio que se encaixaria em muitas das histórias de forte apelo popular, num país em reconstrução visto em diversos exemplos do neorrealismo e de outras tantas produções posteriores. É fácil imaginar Sophia Loren ou Marcello Mastroianni saindo de qualquer um destes apartamentos. Dessa vez, no entanto, há apenas velhas senhoras interessadas na vida alheia e crianças em férias tentando ocupar suas horas e dias vagos com brincadeiras, desafios e descobertas. Gela não está muito interessada em fazer parte do primeiro grupo, por mais que dele não consiga se desvencilhar. Distância essa que Nico também deixa claro tentar impor entre ele e os membros da segunda turma. Esforço esse que não irá durar por muito tempo.

A primeira pergunta ao entrar na casa da tia de seus pais, a parente distante que ele nem mesmo conhecia, mas que foi a única a aceitá-lo durante o período de afastamento das lições escolares – os pais trabalham, a babá está de casamento marcado – é reflexo de um momento atual e específico: “qual a senha do wi-fi?”. A mulher não se abala, e responde de prontidão: “aqui não tem wi-fi”. Assim, o jogo de diferenças e estranhezas se aprofunda rapidamente entre eles. Comidas que o menino desconhece – nada manufaturado, fast food ou levado por entregadores sempre com pressa, mas caseira, feita de acordo com as receitas dos antepassados – e hábitos com os quais está apenas agora se confrontando (a sesta após o almoço, a caminhada pelo bairro, a diversão em um baralho de cartas) começam a se impor nessa nova rotina. O confisco do celular poderá provocar ira nele, assim como a bagunça deixada ao preparar um simples café da manhã fará que ela perceba que essa convivência irá lhe exigir mais paciência do que havia imaginado. Enquanto um aprende a lidar com o outro, pequenas surpresas poderão agilizar o processo. E perceber que há uma possibilidade real de que não apenas a casa, mas todo o cortiço seja assombrado, serve para aumentar uma curiosidade que não é tanto pelo sobrenatural, mas pela vida como um todo, essa existência que conhecia apenas por relatos ou vislumbres em uma tela digital, mas que agora se apresenta diante de si sem desvios ou distrações.
A diretora e roteirista Margherita Spampinato não deixa transparecer ser essa a sua estreia na função. Trabalhos prévios na direção de elencos (como na série Suburra: Sangue em Roma, 2017-2019) ou na coordenação de roteiros e continuidade (como no premiado As Quatro Voltas, 2013) lhe garantiu controle e entendimento suficiente para saber o que buscar em uma proposta tão simples, mas ao mesmo tempo rica em camadas e desdobramentos. Verão em Sicília não é, felizmente, um projeto hollywoodiano, preocupado com caçadores de fantasmas, reações imediatas ou romances de formação. A situação aqui desenvolvida é mais complexa e menos imediata. Há o drama dessa mulher surgido décadas atrás, mas que até aquele momento segue deixando suas marcas dia após dia, da mesma forma como eis um jovem em processo de descoberta e construção, buscando solidificar conhecimento, afetos e valores. Tão fácil quanto uma mentira que escapa ao controle, tão empolgante quanto um banho de mar, tão memorável quanto um beijo roubado e o sorriso que esse permite descansar em dois retratos movidos pela felicidade. Parece pouca coisa, mas eis o suficiente para mudar o mundo.
Filme visto durante o 20º Festival de Cinema Italiano no Brasil, em novembro de 2025
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