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Sinopse

Uma verdadeira jornada de sobrevivência foi enfrentada por três amigos. José Mujica, presidente do Uruguai, Mauricio Rosencof, jornalista e escritor, e Eleuterio Fernández Huidobro, ex-ministro da Defesa, juntos, passaram por situações de extrema tortura física e psicológica, experimentos secretos e privações, durante o período ditatorial no Uruguai.

Crítica

Remontar ao passado para que o futuro não mais se corrompa. Uma Noite em 12 Anos parte dessa premissa impregnada na maneira do cineasta Álvaro Brechner abordar as barbaridades praticadas contra três membros do Movimento de Nacional Libertação Tupamaros, grupo marxista-leninista que se opôs ferrenhamente à ditadura civil-militar uruguaia. Desde o princípio, sobressai o contraste entre a selvageria institucional e a tenacidade desses sujeitos que incrivelmente suportaram toda sorte de torturas durante quase 4500 dias. A cadela do fascismo está sempre no cio, como disse certa vez Bertold Brecht, e neste longa-metragem ela morde implacavelmente os defensores da democracia. Tudo fica ainda mais dramático ao sabermos que as situações reproduzem fatos. Então, a noção de realidade norteia a experiência de assistir a esse filme duro, construído como uma leitura rigorosa das práticas daqueles grupos no poder. A fim de manter-se no topo da cadeia de comando, eles não hesitaram em vilipendiar a humanidade alheia, a sua mais básica integridade.

Uma Noite em 12 Anos tem como protagonistas os escritores e jornalistas Eleuterio Fernández Huidobro (Alfonso Tort), apelidado El Ñato, Mauricio Rosencof (Chino Darín), chamado de Russo pelos amigos, e o agricultor e político José Alberto Mujica Cordano (Antonio de la Torre), o Pepe, mais tarde eleito presidente do Uruguai. Na trama, eles estão encarcerados desde o início, sofrendo sanções dos milicos, considerados reféns do regime. A relação entre captores e prisioneiros é violenta, não apenas fisicamente, vide as constantes sessões de espancamento e a gradativa negação de rotinas, como os banhos ou as mínimas condições para higiene pessoal. A bestialidade impingida aos jovens é principalmente mental. O encadeamento das experiências de cada um no cárcere é feito com o intuito de oferecer um painel amplo da brutalidade institucionalizada. Privados de contato humano, da luz do sol, da possibilidade de comunicar-se, senão com algozes, os protagonistas criam procedimentos singulares para aguentar os mais de dez anos de sofrimento.

Ao elenco, não basta demonstrar desesperança, dor, aflição, ou seja, as consequências emocionais/psicológicas dos anos de encarceramento. Alfonso Tort, Chino Darín e Antonio de la Torre passam por severas transformações físicas. Raquíticos, denotam o cotidiano de maus tratos, indício da condição periclitante de seus personagens nos vários endereços em que permaneceram trancafiados. Álvaro Brechner valoriza a força de vontade desses homens que, em diversos momentos, estiveram prestes a sucumbir, mas cuja resistência é um feito exemplar. O viés celebratório é respeitoso, advindo naturalmente da perseverança idealista como contrapeso da agressividade dos militares que aproveitaram a chancela oficial para desfilar desumanidade. A fotografia de Carlos Catalan marca esse embate intermitente, literal e simbólico, entre luz e sombra, essencial à instauração da atmosfera de opressão predominante na narrativa. Os flashbacks são instrumentos, ao mesmo tempo, de explicação e escape, pois Ñato, Russo e Pepe se agarram no passado como âncora.

A frontalidade do relato serve de alerta. Uma Noite em 12 Anos é intenso, sabe equilibrar apropriadamente a jornada solitária dos protagonistas, a conjuntura sócio-política do Uruguai e, ainda, a angústia dos familiares que padecem por falta de subterfúgios e informações. A enumeração dos dias em que os três permaneceram na prisão serve, concomitantemente, de contagem progressiva e regressiva. No primeiro caso, por adicionar tensão aos relatos, já que o transcorrer acentua a carga sobre os ombros dos revolucionários. No segundo, porque o decurso aproxima a liberação de Ñato, Russo e Pepe após 12 anos e, por conseguinte, a reabertura democrática uruguaia. Álvaro Brechner dosa com habilidade o sentimentalismo presente, lançando mão precisamente de instantes propensos às lágrimas, como a felicidade dos contatos estabelecidos via código, os encontros esparsos (e fortemente vigiados) com filhos, mães e cônjuges em desespero, e o encerramento, em que um país comemora a volta dos bravos ao lar. Um forte e duro alerta contra o totalitarismo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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